O padre
Caetano Francisco de Assis foi pároco de Cananeia lá pelos idos de 1831. Conta
o historiador Antônio Paulino de Almeida (1882-1969) que muitas histórias e
lendas foram criadas para explicar ou justificar o processo de decadência da
vila, que chegou a possuir diversos estaleiros de construção naval nos séculos
XVIII e XIX.
A maldição do Padre Caetano |
Dentre as histórias mais interessantes destaca-se a que envolveu o padre Caetano. Vamos à História (com “H” maiúsculo, pois foi registrada como tal nos anais da então “Villa de São João Batista de Cananeia”).
O padre Caetano estava para
celebrar o casamento do liberto
Leonel Borges. Acontece que o ex-escravo apareceu na igreja de São João Batista
totalmente embriagado. O padre Caetano, naturalmente, ficou indignado e se
recusou a oficiar a cerimônia.
Só que, nesse tempo, existia na
vila um valentão, que era o alferes
Antônio José de Souza. Todo cheio de direito, com um chicote na mão e
acompanhado por três soldados milicianos, o alferes invadiu a igreja no exato
momento que o padre Caetano estava celebrando a missa.
O padre Caetano, com a sua
costumeira calma, interrompeu a missa. E tomando de um círio aceso, voltou-o
para o chão e elevou o olhar, enquanto a chama da vela lentamente se extinguia.
Excomungava, assim, os protagonistas de tamanho desrespeito, pois tinham
invadido a casa de Deus e interrompido um ofício sagrado. Os autores da invasão
assistiam petrificados ao ato.
Como os envolvidos eram “pessoas
de responsabilidade”, a Câmara de Cananeia achou por bem interferir no caso. Assim,
reunidos em sessão do dia 10 de janeiro de 1831, decidiram fazer um apelo ao
padre Caetano nos seguintes termos:
“Finalmente, esta Câmara espera que o reverendo vigário a coadjuve com
a influência da sua moral, na paz, na boa serenidade com que ela deseja ir de
acordo, para por termo no esquecimento às ofensas, virtude esta necessária à
humanidade.”
Mas o padre Caetano não era um religioso
de aceitar desmandos e ficar quieto. Infonformado com a atitude acintosa e
desrespeitosa do alferes, o sacerdote percebeu que a Câmara, na verdade, queria
era por “panos quentes” na história. Dessa maneira, respondeu aos vereadores,
baseando-se em personagens bíblicos:
“Assuero [Xerxes I, rei da Pérsia] perdoa a morte a toda a Nação, porque sua esposa Esther roga; Davi
modera a justa vingança contra Nabal e sua família, porque Abigail suplica;
Deus mesmo suspende os raios de sua Justiça contra um povo ingrato, porque o
pacífico Moisés intercede. Não me esquecerei de avisar aquele exemplo dos
israelitas, quando não o queiram obedecer, em recompensa do que Ele lhes
assinalava um mau pastor.”
Concluindo, finalmente, o padre Caetano a sua resposta à Camara:
“Muitos e muitos exemplos eu devera agora relatar, porém, para não ser
enfadonho, concluo dizendo que a Lei Divina não existe só para perdoar, porque
então ela seria inútil.”
Como é sabido, apesar da
determinação do sacerdote, a corda sempre arrebenta para o lado mais fraco. Daí
que, alguns dias depois, o bom e correto padre Caetano Francisco de Assis
partiu da Vila de Cananeia e nunca mais voltou.
Para o pacato povo cananeense,
enquanto viveu o alferes valentão, ficou no imaginário coletivo a lembrança
desse fato curioso, que afastou para sempre da vila o padre Caetano, o que,
segundo alguns, teria dado origem a uma “maldição” que o sacerdote lançara à
vila.
Essa “maldição” fica aqui registrada
como mais um capítulo da rica imaginação do povo da “Cidade Ilustre do Brasil”.
ROBERTO FORTES, historiador e jornalista, é licenciado em Letras sócio do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. E-mail: robertofortes@uol.com.br |
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