Um importante episódio
histórico que poucos têm conhecimento foi a malograda tentativa de americanos
confederados se estabelecerem no Vale do Ribeira após a Guerra da Secessão.
Grandes levas deixaram os Estados Unidos e imigraram para vários países,
principalmente para a América do Sul, muitos deles vindo ao Brasil. Cerca de
400 a 500 americanos vieram para o Vale do Ribeira, a fim de se fixarem em
Juquiá e em Apiaí. Essa fascinante epopeia mostrou o quanto foi difícil para os
americanos se fixarem na região, à época uma verdadeira selva intocada.
Jefferson Davis, presidente confederado |
A
incrível saga americana no Vale do Ribeira foi historiada pormenorizadamente
por vários estudiosos, entre os quais destaca-se a pesquisadora Judith Mac
Knight Jones em seu livro “Soldado
Descansa! Uma Epopeia Norte-Americana Sob os Céus do Brasil”. A região
seria o ponto de partida para a tentativa de se dar uma nova pátria aos
americanos confederados que, humilhados pela derrota na guerra contra os
americanos do norte, deixaram seu país em busca de novos horizontes.
A GUERRA DA SECESSÃO
Na
metade do século XIX, os Estados americanos do Norte e do Sul possuíam
características bastante diferentes. No Sul, onde a maioria dos trabalhadores
era constituída por escravos negros, predominava a agricultura, baseada
principalmente na cana-de-açúcar e no algodão, cultivados em grandes fazendas:
as plantations. Já o Norte,
industrializado, assemelhava-se aos países da Europa ocidental, chegando mesmo
a competir com a Inglaterra na produção de manufaturados têxteis, que vendia ao
Sul.
A
economia sulista baseava-se exclusivamente na mão-de-obra escrava, naturalmente
mais barata que a assalariada. Para o Norte, isso representava um obstáculo,
pois não permitia o desenvolvimento de seu mercado, uma vez que o escravo negro
não tinha condições de consumir os
produtos fabricados. Dessa maneira, era nítida a inclinação dos nortistas pelos
ideais abolicionistas e antirracistas, resultando em conflitos com os Estados do Sul. Tal situação se agravou em
1860 com a eleição de Abraham Lincoln, um nortista que prometeu abolir a
escravidão.
Com
a vitória de Lincoln, onze Estados sulistas romperam com a União, escolheram
outro presidente, Jefferson Davis, e passaram a se chamar Estados Confederados
da América. Assim começou a guerra. Sob o comando do general Robert E. Lee,
durante dois anos os confederados foram bem sucedidos, a partir de sua primeira
vitória em Bull Run (julho de 1861). Como eram mais numerosos e dispondo de
condições financeiras favoráveis, os estados do Norte optaram por uma guerra
prolongada, a fim de enfraquecer os
confederados.
General Robert E. Lee |
Após
esse período, sucederam-se as vitórias nortistas, com uma ou outra conquista da
parte dos confederados.
Em 9 de abril de 1865, o
general Lee se rendeu, pondo fim à
guerra civil na qual morreram mais de 200 mil homens. A escravidão foi abolida
e os Estados sulistas voltaram a fazer parte da União.
A VINDA PARA O BRASIL
Em
1865, o Dr. James Mc Fadden Gaston veio ao Brasil e, excursionando pelo Estado
de São Paulo, concluiu que a região do Vale do Ribeira era uma das mais
propícias para iniciar a imigração dos americanos confederados. Logo em
seguida, enviou um relatório ao Governo da Província, que resultou na formação
de uma comissão com o objetivo de incentivar a vinda de americanos para o
Brasil. Como presidente dessa comissão, ficou o conselheiro Antônio da Silva
Prado, o célebre Barão de Iguape.
Sob
o comando de vários reverendos, os americanos chegaram ao Rio de Janeiro em
1867. O primeiro grupo foi o comandado pelo coronel Frank Mc Mullan,
acompanhado do reverendo Ballard S. Dunn. De acordo com um apontamento do
comendador Luiz Álvares da Silva, importante político e capitalista iguapense,
em seu diário pessoal, esse grupo chegou em Iguape no dia 26 de maio de 1867,
vindos no vapor americano Marmion,
num total de 154 americanos, tendo partido para o então distrito de Santo
Antônio do Juquiá no vapor Telegrapho.
Outro
grupo chegaria ao Rio de Janeiro em dezembro de 1867. Uma vez na Capital do
Império, no dia 25 de dezembro partiram no vapor Vixien para o Porto de Santos, ali chegando no dia seguinte. Por
fim, chegaram a Iguape no dia 29 de dezembro, de onde seria o ponto de partida
para o estabelecimento das colônias lideradas pelo reverendo Ballard Dunn, pelo
Dr. James Gaston e pelo coronel Frank Mc Mullan.
O Dr. Gaston se estabeleceu com a sua família à beira de
um rio nas proximidades de Apiaí, num lugar chamado Porto, que era ponto de passagem obrigatória de Iguape para Apiaí.
Em fins de 1868, o Dr. Gaston mudou-se para Faxina (hoje Itapeva),
transferindo-se depois para Campinas e Santa Bárbara D'Oeste.
O reverendo Dunn escolheu o rio
Juquiá para se estabelecer, enquanto o grupo do coronel Mc Mullan preferiu se instalar
rio acima. O Governo vendeu essas terras a Dunn e Mc Mullan por 200 contos de
réis, uma verdadeira fortuna na época.
A CHEGADA EM IGUAPE
Ao
chegarem à cidade de Iguape, os líderes dos americanos se apressaram em subir
logo o rio até Juquiá, onde o coronel Bowen já se encontrava, tendo ali
construído um abrigo provisório. Os demais se acomodaram do jeito que puderam
em Iguape. Alguns se abrigaram em
casas desocupadas e outros acamparam na praça.
No
primeiro dia, enquanto a senhora Smith cozinhava na rua, um jovem
iguapense se aproximou do grupo e,
gesticulando, procurou se comunicar com ela. A mulher chamou seu filho Eugênio,
que estudara durante a viagem um pouco de português e, a muito custo, compreendeu
que o moço os estava convidando para irem à sua casa. O pai do iguapense, cujo
nome não é citado no relato de Judith Mac Knight Jones, possuía uma casa
muito espaçosa, com uma venda na
frente, situada na Praça da Basílica. A família Smith ficou instalada nessa
casa durante várias semanas.
Para
passar o tempo, ficavam explorando os arredores da cidade. Foi assim que
descobriram as ruínas de um grande mosteiro que os jesuítas haviam iniciado.
Era uma construção enorme e, apesar de abandonado, servia de testemunho da
pujança daqueles missionários, ficando os Smith muito impressionados.
Belona Smith escreveu um
interessantíssimo relato sobre Iguape, que foi resgatado pela pesquisadora
Judith Jones, à página 132 de seu livro:
“Era junho o mês da Festa de São João. Festa
à moda antiga, com ´bumba meu boi´, enormes jacarés que escondiam gente dentro,
navios de guerra que se
bombardeavam na hora dos fogos até se destruírem. Nunca se viu coisa
igual e os imigrantes ficaram muito impressionados. Depois da queima de fogos,
foram convidados por famílias do lugar
para irem saborear doces em suas casas. Coisas que eles nunca experimentaram:
biscoitos de polvilho, tantos outros doces completamente desconhecidos para os
estrangeiros. Tudo servido em bandejas e passados pelas mãos dos escravos
pretos. Os lugares de honra eram as redes, nunca havia menos de três ou quatro
em cada casa, mas não havia cadeiras. Havia bancos de madeira. Os brasileiros
foram gentilíssimos para com os recém-chegados e mesmo não podendo falar a
língua, pegavam-nos pela mão e por sinais levavam-nos às suas casas e nos
cumulavam de gentilezas (...).”
Judith
Mac Knight Jones descreve a vida dessas famílias logo no início de sua chegada a
Juquiá. Plantavam o arroz e o socavam no pilão, encarregando as crianças desse
serviço. Usavam melado em lugar do açúcar. Faziam pão de milho, cujo fubá era
obtido num moinho por eles construído, no qual também fabricavam farinha de
mandioca. Criavam, ainda, frangos e porcos. A igreja ficava debaixo de uma
árvore e os bancos eram improvisados, para que todos pudessem assistir aos
sermões do reverendo Quillen.
O
historiador iguapense Waldemiro Fortes (1873-1932), que escreveu importantes
trabalhos sobre a História de Iguape, também nos fornece preciosas informações
sobre a vinda de americanos confederados para a região. Segundo ele, um grupo
de americanos se instalou no Vale do Rio Comprido, na Jureia, estabelecendo ali
uma indústria de corte de madeira no ribeirão do Palhal. A madeira era
transportada até Santos num pequeno barco que, afinal, acabou naufragando nas
proximidades da barra do rio de Una. Desanimados com o desastre, os americanos
se retiraram da Jureia, dirigindo-se para lugar ignorado.
DR. GEORGE BARNSLEY
Logo
que chegou em Iguape, o médico Dr. George Scarborough Barnsley procurou obter seus primeiros clientes, mas eles eram
tão pobres que mal podiam lhe pagar algum vintém. O Dr. Barnsley morava numa
casa de barrote e dormia numa esteira; sua comida era banana e algum pedaço de pão duro. Foi
quando resolveu morar com um outro americano, William Turner Moore (que teve
sua perna amputada em consequência de um tiro acidental), e, dessa maneira,
compartilharem o pouco que tinham.
Moore viajara até Iguape no
vapor Derby e era casado com uma irmã
do coronel Mc Mullan. Houve dia em que só tinham pão e água para o almoço. Certa
vez, Moore desapareceu de casa pela manhã e só retornou à noite, trazendo
consigo pão, velas e algumas utilidades e moedas. Tudo isso ele ganhara no jogo
com os iguapenses.
Na
descrição de Judith Jones, o Dr. George Barnsley era moço, solteiro e conseguia
se fazer entender razoavelmente usando de algumas palavras e de gestos. Certo
dia, conta a pesquisadora, foi chamado à casa de um capitão iguapense que se
achava em viagem em alto-mar. Na casa, além do capitão, que era viúvo, moravam
suas cinco filhas, sendo que uma delas se encontrava acamada com pneumonia.
Acompanhado por um amigo, que lhe serviu de intérprete, o Dr. Barnsley precisou
de uma toalha para examinar o peito da moça. Assim, perguntou ao amigo como se
falava toalha em português, ao que o outro, falando sério, respondeu: “saia”. O
Dr. Barnsley entrou sozinho no quarto, onde à beira do leito estavam
enfileiradas as quatro belas irmãs da paciente. O médico, após tomar o pulso da
moça, pediu-lhe, em mau português, que ela lhe desse... a saia. Fora do quarto,
o amigo morria de rir, enquanto a moça se corou e seus olhos faiscaram. As
irmãs procuraram disfarçar o riso e foi então que o doutor percebeu que fora
vítima de uma brincadeira de mau gosto...
AS FAMÍLIAS AMERICANAS
Dos
americanos confederados que vieram para o Vale do Ribeira, a maioria era do
Estado do Texas. Depois de malograda a tentativa de se estabelecerem na região,
os americanos resolveram deixar o Vale. Alguns retornaram para os Estados
Unidos, outros seguiram para Santa Bárbara do Oeste, Americana e vizinhanças,
onde seus descendentes se encontram até hoje.
Judith Mac Knight Jones
fornece uma extensa relação das famílias americanas que se estabeleceram no
Vale do Ribeira (sendo a maioria do Texas, como frisamos):
Ballard S. Dunn, Joseph Dunn, Simeon Dunn, M. F. Demaret, George Tarver,
Frank Mc Mullan, Judge Dyer, Green, Daniel, Cook, Steret Mc Knight, A. I.
Smith, Reverendo Weaver, Sra. Garlinton, Billie Gill, Hickmam, Linn, Cobb, Tom
Mc Knight, I. Pinckley, Shares, Jess Wright, Garner, Weingeuther, Reverendo
Quillen, Reverendo Ratcliff, Parks, Johnson I, Johnson II, Warson, Glenn,
Hargrove, Reverendo Carter, Henderson, Mc Cann, Crovey, Mc Alpine, Pyles,
Burton, Joe Minchin, Coronel W. Bowen, Crawley, Mason, Maston, Major Penn,
Stamply, Schofield, Zino Frelder e Cartis Frelder (irmãos), Dr. George Barnsley
e Capitão Barnsley (irmãos), e Bob Smith. Do Estado do Alabama vieram: Fenley e John Rowe.
ROBERTO FORTES, historiador e jornalista,
é sócio do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. E-mail:
robertofortes@uol.com.br
Blog: https://robertofortes.blogspot.com/
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