Ilha Comprida: origens históricas

A história inicial da Ilha Comprida está indissociavelmente ligada às origens do povoado que viria a ser a vila de Cananeia. Portanto, para se conhecer a gênese histórica do primeiro município, é necessário se conhecer também os princípios históricos do segundo.

Ilha Comprida: origens históricas
Ilha Comprida: origens históricas

Antônio Paulino de Almeida, considerado o “historiador do litoral paulista”, nascido em Cananeia e que durante muitos anos trabalhou como chefe do Arquivo do Estado, escreveu e sua “Memória Histórica de Cananeia”: 

“(...) a primitiva povoação com o nome de ´Maratayama´ foi fundada na Ilha Comprida e dali transferida mais tarde para o lado oposto, na ilha de Cananeia, ao lado do morro de S. João, o que nos é revelado pelo livro do Tombo da antiga vila, que, no capítulo referente ao ano de 1747, descrevendo a queima do Cartório, diz que tendo o corregedor dr. Antônio Pires da Silva Porto Carrero, em visita àquela vila, constatado que muitos livros e papéis ´estavam contaminados dos bichinhos chamados – cupins – mandara publicamente consumir pelo fogo os volumes destruídos e envolvidos daquela imundicie´.”

O responsável por essas memórias foi o vereador Luiz Antônio de Freitas, que, ainda rapaz, presenciou a queima dos documentos e conseguiu resgatar algumas folhas de escrituras. Em uma delas, o vereador se lembrava de ter lido a seguinte informação:

“Saibam quantos & em como no anno de 1579 & nesta villa de Maratayama & (...)”

O jovem Luiz Antônio estranhou esse nome bastante curioso – Maratayama – e foi perguntar a seu mestre, um homem já de idade respeitável e que era natural da cidade de São Paulo, qual a origem daquela inusitada denominação. O mestre lhe respondeu que aquela escritura não fora feita na atual Vila de Cananeia:  

“mas sim em outra primeira, a mais antiga, que com o dito apelido estava situada da outra parte desta vila, na ilha da costa do mar, na paragem ainda hoje chamada – Boa Vista – e que de ali, por melhor cômodo de habitação e presteza dos materiais, se mudou para esta parte, hoje chamada – Cananeia – de cujo nome também ignorava a sua causa.”

A veracidade da existência dessa primitiva vila de Maratayama foi atestada em sessão da Câmara de Cananeia no dia 31 de dezembro de 1787. Paulino de Almeida assegura que, até as primeiras décadas do século XX, ainda podiam ser observados alguns vestígios dessa vila, na paragem conhecida por Boa Vista.

Ilha Comprida: origens históricas
Ilha Comprida: origens históricas

Na definição do historiador cananeense, baseado em estudos de respeitados tupinólogos, o vocábulo Maratayama teria o seguinte significado: mara (mar); e tayama (terra, no sentido de pátria), significando: “terra ou povo do mar”. Segundo o autor, esse significado não causava estranheza, pois, até a metade do século XX, os antigos habitantes de Cananeia se referiam à Ilha Comprida como Ilha do Mar.

A vila de Maratayama ficou estabelecida na Ilha do Mar durante todo o século XVI. Depois, em virtude, presume-se, da falta de água potável ou de espaço para expansão da vila, os seus primitivos moradores decidiram transferi-la para o continente – mais exatamente nas imediações do morro de São João, onde modernamente se encontra assentada a cidade de Cananeia.

Paulino de Almeida, baseado em documentos históricos, concluiu que a mudança da vila de Maratayama, da Ilha Comprida para Cananeia, deu-se, provavelmente, em 1600/1601. Essa conclusão se baseia na provisão que o capitão e ouvidor da Capitania de São Vicente, Roque Barreto, estando em Cananeia, no dia 13 de julho de 1600, mandou que se levantasse no lugar o pelourinho com as insígnias de vila. Frei Gaspar da Madre de Deus, em suas “Memórias para a História da Capitania de São Vicente”, deu maiores detalhes a esse respeito:

“Roque Barreto, Capitão e Ouvidor da Capitania de S. Vicente, por Lopes de Souza, estando em Cananeia, passou uma provisão dada na Vila de Cananeia, aos 13 de Julho de 1600 e nela diz: Que estando na povoação de S. João Batista de Cananéa, e sendo necessário levantar nela o ´Pelourinho’ e insígnias de Vila, e não havendo em sua companhia escrivão para fazer as ditas diligências, provia no oficio a Francisco Viegas, para dito efeito, e para escrivão das datas [das terras ou sesmarias] e declarou que passava a provisão de sua mão, por não haver escrivão e que dera juramento ao dito Francisco Viegas, para esse efeito, e que este assinaria com ele aos 13 do dito mês.

“Abaixo vem o despacho que diz: Registre-se esta provisão no Livro de Registro desta Câmara, hoje 30 de setembro de 1600. Antônio Pedro – Antônio Affonso – João Caldas.”

           
Benedito Calixto (1853-1927), ilustre historiador itanhaense, pesquisando velhos documentos, encontrou um no qual se lê que no dia 31 de outubro de 1601, os oficiais da Câmara de Cananeia, juntamente com os moradores da vila, se reuniram e foram procurar um sítio mais apropriado para se (re)fundar a vila. Foram encontrar esse lugar na paragem chamada Tapera de tar, junto ao mar. Entre esses homens, estava o capitão Tristão de Oliveira Lobo, segundo Paulino de Almeida, um dos responsáveis pela (re)fundação da vila em seu novo sítio. O documento em questão, encontrado por Calixto no maço número 2, de “próprios nacionais”, existente no Cartório da Tesouraria da Fazenda, diz o seguinte:

“Aos 31 de outubro de 1601 se ajuntaram os oficiais da Câmara desta Vila de S. João Batista de Cananeia e assim mais ou moradores desta Vila e forão buscar um sítio acomodado para se fundar a vila, conforme a provisão do sr. Governador, onde se achavam o Capitão Diogo de Medina e o reverendo padre Agostinho de Mattos com seu companheiro e se lhes deu posse de umas terras para os reverendos padres fazerem suas casas, quintais e mosteiro, a qual terra se chama tapéra de tar ... [o original está ilegível neste lugar e adiante], começando das... até o penedo e daí correndo ao longo do mar, digo, das laranjeiras da dita tapéra até o penedo que está no oiteiro, o penedo maior; os quais ditos oficiais, capitães e mais povo houveram por bem conceder estas terras por muitos respeitos pelos Revs. Padres fazerem muitos serviços e a nossas almas, e serem eles os fundadores desta povoação em seus princípios, e acharem-se sempre nos trabalhos dela, e por serem todos contentes lhes concedemos na qual nos assinamos. Eu Manoel Alvares, escrivão da Câmara que o escrevi. – Jorge Martinho da Costa – O Capitão Diogo de Medina.”

Pelos documentos encontratos por esses dois ilustres historiadores paulistas fica fora de qualquer dúvida que o povoado que, mais tarde, se tornaria a vila de Cananeia, foi estabelecido originalmente na Ilha Comprida, na localidade então denominada Boa Vista, com a denominação de “Vila de Maratayma”, e, por motivos diversos, foi trasladada para as proximidades do morro de São João, em 1600/1601, ocasião em que, em seu novo sítio, foi (re)estabelecida o povoado de Cananeia, que a julgar pelo depoimento do vereador Luiz Antônio de Freitas em 1787 e também pelo documento pesquisado por Frei Gaspar, já possuía a provisão de vila.

ROBERTO FORTES

ROBERTO FORTES, historiador e jornalista, é licenciado em Letras sócio do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo.  E-mail: robertofortes@uol.com.br


Blog: https://robertofortes.blogspot.com/


(Direitos Reservados. O Autor autoriza a transcrição total ou parcial deste texto com a devida citação dos créditos).

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