Os primórdios da Vila de Ararapira – antigo povoado hoje pertencente ao Estado do Paraná, apesar de historicamente relacionado à história de Cananeia – remontam a uma aldeia indígena. Situado à margem direita do rio do mesmo nome – também chamado de “Varadouro”, mas que, em alguns documentos antigos, é citado como “Indaiahy”, que significa “rio dos indaiás” –, hoje Ararapira não passa de uma “vila fantasma”, onde ainda podem ser vistos diversos edifícios, como a Capela de São José, completamente abandonados e vítimas do passar inexorável do tempo, sem que o Governo do Paraná tome medidas para a sua restauração e divulgação turística. Devido ao abandono a que ficou relegada essa vila durante décadas, foram criadas sobre o local diversas histórias e lendas, com nítidas influências sobrenaturais.
A vila de Ararapira |
Alguns autores divergem quanto ao significado do vocábulo “Ararapira”. Para Moreira Pinto, em seus “Apontamentos para o Dicionário Geográfico do Brasil”, a palavra significaria “sítio de peixes e araras”; já para o Dr. João Mendes de Almeida, em seu “Dicionário Geográfico da Província de S. Paulo”, a tradução seria “sítio de peixe-arara” ou “o duplamente assinalado”, significando que o local era a divisa natural entre os tupis e os carijós, nações indígenas inimigas e belicosas, tradução esta aceita pelo historiador Antônio Paulino de Almeida.
A vila de Ararapira |
A FUNDAÇÃO
Durante o governo de Dom Luiz Antônio de Souza Botelho Mourão, o Morgado de Matheus, foram fundadas diversas vilas no Sul da Capitania de São Paulo, entre elas, Subauma e Ararapira. No dia 12 de agosto de 1767, estando na Vila de Cananeia o ajudante-de-ordens do governador, Afonso Botelho de Sampaio e Souza, o cidadão Joaquim Morato do Canto e sua esposa Rosa de Toledo Piza doaram as terras de sua propriedade para a fundação da Vila de Ararapira. Conforme consta no Livro de Atas da Câmara de Cananeia, Joaquim Morato do Canto disse que:
“de muito boa vontade offerecia para a nova povoação duzentas braças de terra que se conta da barranceira da barra do Rio Indaiahi corrente para a parte do sul até uma árvore chamada ´figueira´ que estava ao norte do sítio do dito Joaquim Morato do Canto, e a quadra do mar, correndo pela dita árvore – Figueira –, até o Rio Indaiahi, cujas terras dá para a dita povoação sem alguma pensão ou fôro, livre conforme as possuía, sem por elas querer preço algum por ser para o serviço de S. M. Fidelíssima que Deus Guarde em quem espera prêmio que o mesmo Senhor for servido”.
Assinaram a ata o escrivão Agostinho Correa Monteiro, Afonso Botelho de Sampaio e Souza, Ignacio Rodrigues da Silva, Faustino Martins da Silva, Antônio do Amaral Vasconcelos, Joaquim Morato do Canto, Antônio dos Ouros Homem, Caetano Gago da Câmara, José Joaquim, Mariano da Silva César e Pedro Martins. Essa doação deve a sua confirmação por Carta de Sesmaria passada no dia 13 de maio de 1768.
A FREGUESIA
A povoação de Ararapira foi elevada à categoria de freguesia em 1769, sob a invocação de São José da Marinha. Porém, a vila teve curta duração, e pouco tempo depois foi “exautorada [desautorizada] por achar-se em decadência”, de acordo com Antônio Paulino de Almeida (1). A Freguesia de São José da Marinha de Ararapira chegou a possuir uma Companhia de Ordenanças, sendo nomeado, em 20 de agosto de 1771, para capitão da freguesia, Francisco Xavier da Costa. Seu substituto, João Braz Pereira, assumiu o posto em 23 de dezembro de 1779.
Durante muitos anos, o povoado ficou abandonado, apesar de não totalmente despovoado, já que no local, com certeza, deveriam residir alguns moradores. A prova disso é que, pela Lei Provincial de 16 de março de 1859, o Governo da Província de São Paulo criou em Ararapira uma escola para o sexo masculino. Somente vinte e cinco anos mais tarde é que seria criada uma escola para o sexo feminino, pela Lei Provincial nº 8, de 15 de fevereiro de 1884. Segundo Antônio Paulino de Almeida (2), na década de 1920 funcionavam em Ararapira “duas escolas públicas, preenchidas por professores complementares”.
O DISTRITO DE PAZ
E o povoado de Ararapira conseguiu atravessar o século XIX. Pela Lei nº 1.073, de 21 de agosto de 1907, foi elevado à categoria de Distrito de Paz, dentro do município de Cananeia. Mas, escrevendo em 1928, Antônio Paulino de Almeida deixava claro, que na virada do século, Ararapira era um povoado decadente:
“Há 30 anos atrás, a povoação de Ararapira não passava de um amontoado de casas cobertas de palha, vivendo na mais completa decadência. Todo o povoado não atingia mesmo ao número de 10 casebres, cujos moradores se dedicavam quase que exclusivamente à pesca, abandonando a agricultura (...)”.
O povoado, depois da elevação a Distrito de Paz, passou a conhecer um ressurgimento, principalmente a partir de 1910, quando o Governo de São Paulo subvencionou a Companhia de Navegação Fluvial Sul Paulista, que estendeu a carreira de seus vapores ao porto de Ararapira, que passou a contar, por essa época, segundo Paulino de Almeida, “cerca de 80 casas, em sua maior parte cobertas de telhas”.
É de se destacar que a Capela de São José, que se encontrava quase desabando, “com as paredes inteiramente esburacadas”, foi toda reformada nessa época. Ainda de acordo com Paulino de Almeida, devido ao desenvolvimento do povoado, “chegaram os seus habitantes a pretender sua elevação à categoria de município, em detrimento de Cananéia”. Houve acirrada disputa com a sede do município. Acabou vencendo Cananeia, o que levou “muitos dos ararapirenses, aliás os mais abastados, a retirarem-se do lugar”.
A vila de Ararapira |
O ÊXODO
Desde o princípio do século XX, o Estado do Paraná pleiteava a revisão de suas divisas com o Estado de São Paulo. Foram apresentados laudos assinados por peritos paranaenses e paulistas. Até então, a divisa natural entre os dois estados era a linha imaginária que dividia ao meio o Istmo do Varadouro. Apesar de o laudo paulista, assinado, entre outros, pelo Dr. Washington Luiz Pereira de Souza, deixar claro que as pretensões paranaenses não tinham nenhuma base histórica, o presidente da República, Epitácio Pessoa, acatou o laudo apresentado em 15 de junho de 1920, que transferiu a Vila de Ararapira para o Paraná.
Essa decisão presidencial muito desgostou aos ararapirenses, que se viram privados de seu principal meio de transporte, a Companhia Fluvial, subvencionada pelo Estado de São Paulo, que escoava seu principal produto, o arroz. Daí, a maioria decidiu atravessar o Canal do Varadouro, estabelecendo-se em território paulista, dando origem à Vila do Ariri, fundada pelo Governo de São Paulo especialmente para receber os ararapirenses desgostosos com a anexação da Vila de Ararapira ao Estado do Paraná.
NOTAS
(1) ALMEIDA, Antônio Paulino de. Memória Histórica Sobre Cananéia. Vol. II, págs. 36-41, Coleção Revista de História, São Paulo: 1966.
(2) ALMEIDA, Antônio Paulino de. Ariry – Histórico de Sua Fundação. Revista do IHGSP, vol. XXVI, São Paulo: 1928)
ROBERTO FORTES, historiador e
jornalista, é licenciado em Letras sócio do Instituto Histórico e Geográfico de
São Paulo. E-mail: robertofortes@uol.com.br