Em 1794, uma terrível seca
castigou toda a Ilha do Mar, como então se chamava a Ilha Comprida. O dia mais
abrasivo deu-se em 19 de dezembro daquele ano. Pela leitura do Livro do Tombo
da Câmara de Cananeia pode-se ter uma ideia dessa estiagem:
O mistério da Volta do Frade |
“(...) resplandecera o Sol inflamado e com calor tão ardente, que continuando assim no seguinte não só queimara as culturas como cozera os legumes, tostando o verde arvoredo dos matos; queimando por entremeio as relvas e os musgos que atapetavam a terra.”
Na Ilha do Mar tudo
estava ressequido. Todos os olhos d´água haviam secado por completo. A terrível
seca não poupou sequer o rio Candapuí, cujo leito secou em quase toda a sua
extensão, o que obrigou os peixes, e até mesmo os jacarés, a fugirem na direção
da barra do rio, enquanto muitos morriam pelo meio do caminho.
Os ilhéus não tinham outra saída
senão pegarem as suas frágeis canoas, atravessarem o Mar de Dentro e irem pegar
água nos morros de Iguape. Era grande o número de canoas que, a toda hora, iam
e voltavam carregadas de água potável..
Numa certa manhã, logo nos
primeiros raios do dia, bem antes que o sol abrasasse a todos sem piedade, uma
humilde mulher, juntamente com a sua pequena filha, pegou das suas vasilhas e
foram buscar água na Fonte da Volta Grande.
Enquanto o seu esposo lidava na
pesca, a boa mulher e a sua filha embarcaram numa canoazinha e atravessaram o
canal em busca do tão desejado líquido. Parando numa barranca, apoitaram a
canoa, pegaram a picada que ia dar à fonte. E isso fizeram algumas vezes,
enchendo vários potes.
Enquanto a filhinha se entretinha
a colher algumas flores, a mãe lidava com a cuia para encher o último pote. Mas
eis que, por um instante, a mulher ergueu os olhos e avistou, entre o arvoredo,
a figura de um frade, que parecia fitá-la em silêncio.
Sim, não restava dúvida: era a
figura de um frade! A roupa negra e o alvo cilício que pendia do corpo não deixavam
margem a dúvida. Desnorteada, a apreensiva mulher levantou repetidas vezes o
seu olhar naquela direção e sempre avistava a figura impassível do frade.
O que seria aquilo? Estaria
enlouquecendo? Será que aquele sol danado de quente lhe afetara o juízo? Sem
perda de tempo, apressou a filha para irem embora, mas não disse palavra, pois
não queria assustar a criança.
Tocaram pela picada e entraram na
canoa, pegando o rumo de casa. Já em caminho, a mulher tornou a olhar para
trás. E ficou arrepiada. Lá, de pé, em cima do barranco, lá estava o vulto do
frade, que, silenciosa e insistentemente, continuava fitando-a.
Tomada pelo medo, a pobre mulher
aumenta as remadas. E a canoa, agilmente, transpõe o canal e vai dar na praia
oposta. Nesse momento, a mulher, vencida pelo medo e pelo cansaço, desmaia na
popa da canoa. A filha começa a chorar e a gritar, e outros caiçaras aparecem
para socorrê-las.
Foi assim que, desde então, esse
ponto do canal passou a ser conhecido por “Volta do Frade”.
ROBERTO FORTES, historiador e
jornalista, é licenciado em Letras e sócio do Instituto Histórico e Geográfico
de São Paulo. E-mail: robertofortes@uol.com.br