Desde
tempos imemoriais, o homem sempre acreditou na existência de monstros marinhos,
que povoaram a imaginação dos primeiros navegantes. Um dos relatos mais antigos
foi feito por Homero em sua “Odisseia”,
que narra o retorno do herói Ulisses à sua terra, Ítaca, e, para não ser
seduzido pelo canto das sereias, ordenou que fosse amarrado ao mastro da
embarcação e, assim, poder apreciar o canto fatídico.
Sereia, figura meramente ilustrativa. |
No
Brasil, durante o período colonial, o cronista Pero de Magalhães Gândavo
registrou, em sua “História da Província
de Santa Cruz” (1576), o aparecimento de um monstro marinho – uma ipupiara (“demônio d´água”, em tupi) –, na vila de São
Vicente, no ano de 1564. O monstro foi morto pelo jovem Baltazar Ferreira,
filho do capitão da vila.
Praia da Jureia, em Iguape. |
O
livro de “Memórias da Câmara da Vila de
Cananeia” também registrou a aparição de um monstro marinho naquela
localidade no ano de 1733, que foi observado por diversas vezes no mar do
Cubatão, sendo morto pelo “destro
caçador” Pedro Tavares.
O
que poucos sabem é que em Iguape apareceu, quase no final do Império, uma
“sereia”. Essa espantosa história foi resgatada pelo historiador Antônio
Paulino de Almeida (1882-1969), em seu artigo “Monstros marinhos” (publicado na Revista do Arquivo Municipal, volume CLIX, julho/1955-março/1957).
De acordo com esse pesquisador,
tendo como referência uma edição do semanário “O Iguapense” (cuja notícia foi reproduzida pela “Gazeta de Cananeia”, de 8 de janeiro de
1888), conforme missiva enviada pelo correspondente do jornal no rio Una do
Prelado, “em dias do mês de novembro de
1887”, apareceu, em frente à praia da Jureia, “um monstro marinho com forma humana”.
Algumas canoas tinham saído ao
mar para a pesca. Depois de estarem “poitadas”, apareceu junto à canoa que era tripulada
por Albino Vieira, Joaquim Ribeiro e Maneco Bigica, “uma mulher com os olhos fitos neles”, que logo mergulhou.
Pouco depois, a criatura tornou
a surgir e, novamente, demorou-se algum tempo olhando para a canoa. De novo,
mergulhou e, demorando-se pouco no fundo do mar, tornou a surgir pela terceira
vez, no mesmo lugar, “e cada vez com os
olhos mais prescrustadores como quem queria conhecer se aqueles da canoa seriam
da mesma espécie dela.”
Receosos,
os pescadores ficaram por um longo espaço de tempo como que paralisados e, pela
pouca distância que se achavam da criatura, conseguiram reparar bem nas formas
dela, que mostrava-se fora da água da cintura para cima, e o resto do corpo,
que ficava sob as águas, não puderam ver como era.
Vejamos
como eram as características dessa “sereia”, conforme descrição feita pelas
testemunhas oculares da fantástica aparição:
“Os cabelos eram
de cor escura e penteados da testa para o cimo da cabeça; que, cobrindo-lhe o
pescoço, vinham se espalhar um pouco sobre as espáduas, fingindo ondulações.
Não eram compridos, porém, se a vista não os enganava, não eram propriamente
cabelos, era casca que os fingia.
“Cor alva, um
tanto amorenada, testa regular, olhos mui grandes demais para olhos de gente;
nariz muito chato e grande, boca um pouco larga, beiços regulares em grossura;
entre o nariz e a boca uma mancha, que apesar da pouca distância, não viram por
ali resfolegar água.
“Os braços, ou
para melhor dizer, duas espátulas que rematavam em duas patas ou galhas, deixavam-se
ver rente às extremidades, pois em comprimento não eram mais do que o
antebraço.
“Os seios da
mulher, bem formados; ombros, pescoço, cintura, tudo enfim.
“O corpo coberto
de cabelos, igual a gente cabeluda, porém, de cor amarelo tirante o castanho.”
De
acordo com o relator do caso, esse aparecimento “não consta ter havido nestas costas nem mesmo nos tempos remotos, pois
se houvesse, existiria a tradição, ainda que fora bocalmente [transmitida
oralmente], entre os povos”.
Para
alguns estudiosos, os monstros marinhos de São Vicente e de Cananeia, na
verdade, seriam lobos marinhos, que, pelas suas enormes proporções, ao ficarem
eretos na praia, eram confundidos com seres humanos.
E
a sereia da Jureia? Verdade ou alucinação coletiva?
ROBERTO FORTES, historiador e
jornalista, é licenciado em Letras sócio do Instituto Histórico e Geográfico de
São Paulo. E-mail: robertofortes@uol.com.br