Apesar de ser um município
relativamente novo, a Ilha Comprida, que no passado já foi chamada de “Ilha
Branca” e “Ilha do Mar”, tem muita história para contar. Pode-se dizer que o
povoamento desta parte do litoral começou ali, quando foi estabelecido o
primeiro povoado de Cananeia que, depois, em 1600, foi transferido para o local
atual.
Ilha Comprida, Boqueirão Norte. Crédito: Divulgação Prefeitura de Ilha Comprida. |
Durante séculos humildes caiçaras
habitaram ao longo de seu extenso território, estabelecendo sítios em vários
pontos, como Ubatuba, Pombeva, Pedrinhas, Araçá, etc.
O historiador Antônio Paulino de
Almeida, em seu trabalho “A Ilha
Comprida”, publicado pela Revista do Arquivo do Estado de São Paulo em
1950, resgatou muitas das histórias desse hoje município, um dos que mais
crescem no estado e no país.
Vejamos algumas dessas histórias:
O SOLAR MAL-ASSOMBRADO
Na antiga Ilha do
Mar (hoje Ilha Comprida) não existia água potável. Para saciar a sede e para os
afazeres domésticos, os velhos caiçaras de antigamente se utilizavam da água
salobra tirada dos poços.
Quando das grandes
secas, essas fontes secavam, o que levava os praianos ao desespero. Assim, eram
obrigados a pegarem água na Fonte da Volta Grande, que ficava defronte ao
Vamiranga (“frutos vermelhos”).
Essa fonte se
localizava dentro das terras dos Freitas, no lugar conhecido por “Tapera dos
Rodrigues”. O local era deserto e diziam que assombrado. Só aparecia gente por
ali para buscar água, pois todos temiam os gemidos, soluços, vozes, tropéis que
diziam ouvir no local.
Nos tempos antigos, ali no
Vamiranga, existiu um imponente solar. Junto ao mar, para abrigo dos
pescadores, via-se um acanhado rancho coberto por sapé, já todo danificado. Daí
que, quando os tempos de seca se avizinhavam, os ilhéus sabiam que podiam
contar com a Fonte da Volta Grande.
Lá iam todos em direção ao sítio
mal-assombrado. Agora, verdade fosse dita, em noites de Lua Cheia que ninguém
se atrevesse a passar por perto do solar; nos fandangos não se falava noutra
coisa.
Após a morte do senhor, aquelas
braças de terras ficaram ao deus-dará; o solar foi-se arruinando com o passar
dos anos. E ninguém queria saber de morar no local, “nem mesmo por favor”. Ora,
quem era doido de se meter com as visagens que perambulavam errantes pelas
ruínas?
O praiano acreditava que a alma
do antigo dono do solar ficava por ali tomando conta do tesouro que escondera
num dos pilares do palacete. Outros acreditavam que era castigo mesmo, porque o
senhor castigava impiedosamente seus escravos, por isso o seu espírito
atormentado fora obrigado a penar por ali para todo o sempre.
A GRANDE SECA DE 1794
Em 1794, uma terrível seca
castigou todo o território da Ilha do Mar. O dia mais abrasivo deu-se em 19 de
dezembro desse ano. Pela leitura do livro do Tombo da Câmara de Cananeia,
pode-se ter uma ideia dessa estiagem:
“(...) resplandecera o Sol
inflamado e com calor tão ardente, que continuando assim no seguinte não só
queimara as culturas como cozêra os legumes, tostando o verde arvoredo dos
matos; queimando por entremeio as relvas e os musgos que tapetavam a terra.
“Não faltou na continuação
daquele dia e mais do outro, o sopro do vento norte, não para refrigerar o
calor do mesmo sol, mas sim para lhe servir de ajudante e companheiro, para
estender mais o ardor; e este acontecimento foi por todos extranhado pois
jamais o tinham visto, jamais o experimentado.
“E por isso já deviam tê-lo
chorado, entretanto, imaginando-o simples acontecimento, logo todos o
entregaram ao olvido costumado.”
Na Ilha do Mar tudo
estava ressequido. Todos os olhos d´água haviam secado por completo. A terrível
seca não poupou sequer o rio Candapuí, cujo leito secou em quase toda a sua
extensão, o que obrigou os peixes e até mesmo os jacarés a fugirem na direção
da barra do rio, enquanto muitos morriam pelo meio do caminho.
Os praianos não tinham outra
saída senão pegarem as suas frágeis canoas, atravessarem o Mar de Dentro e irem
pegar água nos morros de Iguape. Era grande o número de canoas que a toda hora
iam e voltavam carregadas de água potável, que buscavam em potes, latas,
canjirões e alguidares.
A Ilha Comprida tem muita
história para contar!
ROBERTO FORTES, historiador e jornalista, é licenciado em
Letras e sócio do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. E-mail:
robertofortes@uol.com.br
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