Controvérsias à parte, podemos
afirmar que Iguape nasceu com o Brasil. A data de fundação da cidade é
desconhecida, sendo escolhido o dia 3 de dezembro de 1538 como a data oficial. A
sua fundação é atribuída ao degredado português Bacharel Cosme Fernandes –
vulto dos mais controvertidos da história pátria –, juntamente com o
aventureiro castelhano Rui García Mosquera.
Vista geral de Iguape. Crédito: Sérgio Prado. |
O Bacharel teria chegado na região em 1502, segundo o historiador Francisco Adolfo de Varnhagen, vindo na armada de André Gonçalves, que tinha como piloto Américo Vespúcio. Rui Mosquera, vindo com um grupo de castelhanos do Rio da Prata, se estabeleceu em Iguape entre 1532 e 1534. Junto com o Bacharel e seus índios, Mosquera, segundo o cronista Ruy Diaz de Guzmán, atacou São Vicente, que saqueou e incendiou, fugindo, depois, para Santa Catarina e dali para o Rio da Prata. O Bacharel teria ficado em Iguape, onde faleceu e foi enterrado numa cova talhada no morro do Icapara (depois chamado de Outeiro do Bacharel), recoberto por seu ouro e jóias.
Em 1577, foi criada a Freguesia
de Nossa Senhora das Neves de Iguape. Devido a vários fatores – como falta
d’água potável e de espaço para a expansão da vila, e até mesmo ataques de
piratas, conforme asseguram alguns historiadores – decidiram mudar o povoado,
entre os anos de 1600 a 1614, para a imensa planície costeira ao Mar Pequeno,
sesmaria de propriedade do capitão Francisco Alvares Marinho, que doou a área
para a (re)fundação da vila, onde modernamente situa-se a cidade.
A patente de vila deve ter sido
concedida entre 1600 a 1619, pois conta que já era vila neste ano, segundo
documento encontrado pelo historiador Ernesto Guilherme Young.
Para que fosse possível se
comemorar anualmente a data de fundação de Iguape, em 1938 o então prefeito,
Manoel Honório Fortes, incumbiu uma comissão de historiadores paulistas,
presidida pelo ilustre Affonso D´Escragnolle Taunay, para estabelecerem a data
provável da fundação, sendo aceito o dia 3 de dezembro de 1538, quando foram
separados os termos de Iguape e Cananeia.
Assim, no dia 3 de dezembro de
1938, foi festivamente comemorado o IV Centenário de Fundação de Iguape, numa
grandiosa solenidade, até hoje lembrada pelos iguapenses mais antigos, com a
presença do interventor Adhemar de Barros e demais autoridades, quando foi
solenemente inaugurado o Obelisco do IV Centenário, na rua das Neves.
O
FAUSTO DO OURO
Já por volta de 1551-1552, foram
descobertos veios auríferos na região de Iguape. Na década de 1570, passou pela
região o alemão Heliodoro Eobanos, à cata de ouro. Nesse período,
intensificou-se a mineração do ouro de lavagem e a Coroa portuguesa, para
evitar contrabando e garantir seu quinto, fundou em Iguape, em torno da década
de 1630, a Casa de Officina Real da Fundição do Ouro, considerada por
alguns historiadores como a primeira casa do gênero no Brasil. Foi
administrada, entre outros provedores do ouro, pelo brasileiro Manoel dos Reis,
que ocupava o cargo de Almotacel (inspetor de pesos de medidas).
Foi uma fase de fausto. Conta-se
que, nas festas, as mulheres adornavam suas cabeleiras com ouro em pó, e era
costume o noivo presentear a noiva com um litro de ouro em pó. Nessa época,
foram construídos alguns dos casarões assobradados que podem ser notados na
Praça da Basílica e nas cercanias da cidade.
Mas ainda existiam poucas casas
de morada na vila; muitas das famílias residiam pelos sítios. Assim, em 1679, edito
do governador da Capitania de Itanhaém, a qual pertencia a Vila de Iguape, Luiz
Lopes de Carvalho, ordenava que todo súdito com posses deveria construir uma
casa na sede da vila, sob pena de pagar a multa de dez cruzados.
Em fins do Século XVII, contudo,
com a descoberta das Minas Gerais, os mineiros iguapenses deslocaram-se para
aquele Estado, e a mineração em Iguape e Vale do Ribeira entrou em decadência.
A economia local voltaria a se
reerguer a partir de meados do século seguinte, com as atividades ligadas à
construção naval, quando diversos estaleiros foram estabelecidos nas margens
dos rios da região. Os barcos eram encomendados por armadores de Santos, Rio de
Janeiro e outras localidades.
BOM JESUS: A GRANDE ROMARIA
Basílica do Bom Jesus em construção. Década de 1870. Crédito: Onésio França Júnior. |
Em 1647, Iguape iria se transformar num centro de intensa
peregrinação religiosa, com o aparecimento da imagem do Senhor Bom Jesus de
Iguape, encontrado por dois índios na Praia de Una, na região da Jureia.
A partir de então, milhares de romeiros de todas as partes
do Brasil vêm à cidade render graças ao Bom Jesus da Cana Verde. É a segunda
maior festa religiosa do Estado de São Paulo (fica atrás apenas da de Nossa
senhora Aparecida), sendo uma das mais importantes do País.
A festa em homenagem ao Senhor
Bom Jesus de Iguape e Nossa Senhora das Neves se estende de 28 de julho a 6 de
agosto, contando com novena, barracas comerciais, banda de música, procissão e
fogos de artifício.
Em agosto de 1949, a cidade
recebeu a visita do escritor Albert Camus, Prêmio Nobel de Literatura em 1957,
que, acompanhado por Oswald de Andrade e outros amigos, veio conhecer de perto
a grande festa. Suas impressões foram utilizadas para escrever o conto ”A pedra que cresce”, inserido no livro ”O Exílio e o Reino”, um de seus maiores
sucessos.
A devoção do Bom Jesus também
recebeu a visita da heroína brasileira dona Joana de Gusmão, do poeta Vicente
de Carvalho, do governador Adhemar de Barros, além de outras personalidades.
A Igreja do Bom Jesus foi
iniciada em 1787 e inaugurada, ainda não de toda concluída, em 8 de agosto de
1858. Foi elevada à categoria de Basílica em 1962.
A
OPULÊNCIA DO ARROZ
A fase econômica mais importante foi a do ciclo do arroz,
que começou a se firmar em fins do século XVIII e atingiu seu esplendor na
primeira metade do século XIX, quando capitalistas abastados ganharam
expressivos lucros com essa cultura. Nessa época, construíram-se os mais
imponentes casarões de pedra e cal que, até hoje, ornamentam a Praça da
Basílica e cercanias.
Em 1841, o imperador D. Pedro II concedeu o título de Barão de Iguape ao agricultor e político
Antônio da Silva Prado, patriarca da aristocrática família paulista. O arroz de
Iguape recebeu vários prêmios pela sua qualidade, entre eles, em Turim, Itália,
no ano de 1911.
Em fins do século XIX, devido a
diversos fatores – como a falta de modernização da lavoura do arroz, a abolição
da escravatura e a abertura do Valo Grande, que assoreou o Mar Pequeno e,
consequentemente, o antigo porto, principal via de exportação do município – a
cidade entrou em franca decadência.
Apenas a partir da década de
1930, com o surgimento de indústrias de pesca e do palmito e da lavoura da
banana, a economia local conheceu novo alento, com o estabelecimento de
diversas indústrias e a geração de muitos empregos.
O VALO GRANDE
Porto Grande de Iguape. Início do século XX. Crédito: Arthur Fortes Filho. |
O principal produto de exportação
da vila era o arroz. Produzido nos sítios espalhados pela zona rural, chegava
pelo rio até o Porto do Ribeira, onde existia um porto fluvial. Daí era
conduzido por carroças, numa distância de três quilômetros, até o Porto Grande, no Mar Pequeno, na sede da
vila. O transporte custava dez réis por saca e era considerado oneroso.
Assim, os vereadores, apoiado
pelos agricultores, decidiram abrir uma vala ligando o Rio Ribeira ao Mar
Pequeno. Formaram-se dois partidos: um queria a construção ao Norte, perto do
morro, por ser o terreno mais consistente; outro pretendia ao Sul, onde foi
construído a partir de 1827, pelas facilidades oferecidas pelo terreno arenoso.
Foi um erro que traria graves consequências.
Durante 25 anos, escravos e
trabalhadores assalariados escavaram a vala, que passou a ser utilizada a
partir de 1852, dando passagem a pequenas canoas. O que era para ser um
benefício transformou-se num pesadelo.
A pequena vala de alguns metros,
que podia ser pulada em alguns pontos, transformou-se num imenso braço de rio
de mais de 200 metros de largura. As suas margens começaram a desbarrancar de
maneira vertiginosa; ruas inteiras e casas foram tragadas pela impetuosidade
das águas. Diziam que Iguape terminaria os seus dias no fundo do Valo Grande. O
Mar Pequeno, nas proximidades do Porto Grande, ficou assoreado, impedindo a
entrada de navios de grande calado.
Foi um dos motivos que levou
Iguape à decadência. Mas não o único. Os outros foram: a falta de união entre
os agricultores e políticos; a disputa pelo poder entre os dois grupos que dominavam
a política local; a precariedade da lavoura do arroz, que não foi modernizada;
as sementes do arroz, que foram se degenerando, não existindo um controle de
qualidade; e a concorrência de outros centros produtores de arroz, mais
desenvolvidos, no Estado de São Paulo. O Valo Grande virou o “bode expiatório”.
VILA, MUNICÍPIO E COMARCA
Não se sabe ao certo a data de
elevação de Iguape à categoria de Vila. Tal patente deve ter sido concedida
entre os anos de 1600 a 1614, quando o povoado se mudou do Icapara para o local
atual, às margens do Mar Pequeno.
O município seria criado pela Lei
nº 17, de 3 de abril de 1849, com o nome de Bom
Jesus da Ribeira. Só que o povo iguapense não gostou dessa mudança de nome.
Houve protestos da Câmara de Vereadores, do povo em geral, e até do padre.
Assim, no ano seguinte, atendendo aos protestos de todos, o Governo Provincial,
através da Lei nº 3, de 3 de maio de 1850, mudou o nome da cidade para Bom Jesus de Iguape, que a tradição
simplificou, a partir de então, para Iguape.
A Comarca foi criada
pela Lei nº 16, de 20 de março de 1858. Essa lei criou também as comarcas de
Bananal, Piracicaba e Paraibuna. A Comarca de Iguape foi a 13ª criada no Estado
de S. Paulo, tendo sido confirmada pela Lei nº 61, de 20 de abril de 1866.
Antes de possuir a
sua, Iguape pertenceu a diversas outras comarcas: São Paulo (1700 a 1723);
Paranaguá (1723 a 1833); Santos (1833 a 1852); Itapetininga (1852 a 1854); e
Santos (1854 a 1858).
O VICE-CONSULADO PORTUGUÊS
Iguape, nos tempos da
antiga Província, foi uma das cidades mais importantes do Brasil. O nível
social e intelectual era elevado, a economia forte e a política vivia os seus
dias de glória.
A cidade contava com
todos os caprichos de uma cidade rica: clubes, teatros, hotéis, gabinete de
leitura, jornais, etc. O seu porto marítimo, conhecido por Porto Grande, era bastante frequentado por navios de várias partes
do País e alguns até mesmo do exterior. A lavoura do arroz estava em seu auge:
milhares de sacas eram exportadas e o dinheiro corria a granel no município.
Destaque especial
deve ser feito ao Vice-Consulado Português, que se localizava num sobrado
situado na Praça da Basílica (ao lado do Restaurante
Zé Juca) e que tinha por finalidade tratar dos interesses lusitanos em
Iguape e em toda a região. Foi instalado em 1848 e funcionou até 1920.
Destacadas figuras da
época ocuparam o cargo de vice-cônsul: José Antônio da Silva (1848 a 1862), o
primeiro vice-cônsul; José Joaquim Rebello (1865 a 1887); Antônio Ferreira de
Aguiar (1887 a 1896); Zacharias Augusto Teixeira (1896 a 1913); e Antônio
Marques Teixeira do Amaral (1913 a 1920), que foi o último vice-cônsul
português em Iguape.
AS COLÔNIAS DE IMIGRANTES
Com a vinda de imigrantes para a
região do Vale do Ribeira, a partir da segunda metade do século XIX, o Governo
do Estado decidiu implantar algumas colônias na região.
Em Subauma, que já fora vila em
1770, foi implantada, em 1895, uma próspera colônia agrícola, que chegou mesmo
a rivalizar com a sede do município. Pelas dificuldades de acesso e falta de
apoio governamental, no entanto, teve curta duração.
Em 9 de novembro de 1913, era
fundada em Iguape, no bairro Jipovura, a Colônia
Katsura, a primeira do Brasil a receber colonos japoneses. Durante muitas
décadas, conheceu um grande surto de progresso, tornando-se auto-suficiente.
Possuía engenhos de arroz, alambiques, comércio variado, escola, agência do
Correio, indústria de sericultura, médicos e outras comodidades.
A Colônia Katsura entrou em colapso durante a Segunda Guerra Mundial,
quando muitas famílias partiram para outras regiões do Estado. Até a década de
1960, no entanto, ainda tinha certa importância.
BANANA, PESCA, PALMITO
Com o declínio da lavoura do
arroz, já em fins da década de 1920, tinha início o plantio de bananais no
município, ciclo econômico que teve muita importância.
A partir de meados da década de
1930, começaram a se estabelecer no município várias indústrias de pesca, para
a industrialização da manjuba, que conheceu o seu auge entre os anos de 1930 a
1950.
Na década de 1940, surgiram
indústrias de palmito, que representou, na década de 1950 e 1960, a mais
importante economia do município. A mais importante era a Fábrica Caiçara, que enlatava palmito para as marcas Cica e Armour, entre outras.
Também, nesse intervalo de tempo,
existiram outras atividades econômicas, com relativa importância, como a
fabricação de esteiras de piri e a utilização da caixeta para a produção de
tamancos e outros itens.
VISITANTES ILUSTRES
Iguape, ao longo de sua história quase
cinco vezes secular, recebeu a visita de célebres personalidades, entre as
quais podem ser destacadas:
Frei Gaspar da Madre de Deus, cronista brasileiro, no século XVIII;
Joana de Gusmão, heroína brasileira, irmã do padre Bartolomeu de
Gusmão, também no século XVIII;
Martim Francisco Ribeiro de Andrada, geólogo e político, irmão do
“Patriarca da Independência”, em 1805;
Sir Richard Burton, explorador
inglês desbravador da África, em 1864;
General Osório, herói da Guerra do Paraguai, em 1877;
Monteiro Lobato, escritor, editor e jornalista, em 1918;
Altino Arantes, presidente do Estado de São Paulo, em 1918;
Washington Luiz, presidente do Estado, em 1921;
Vicente de Carvalho, jurista e poeta, grande amigo de Iguape, em
várias ocasiões;
Adhemar de Barros, interventor federal e governador do Estado,
outro grande amigo de Iguape, em diversas ocasiões;
Albert Camus, em 1949, Prêmio Nobel de Literatura em 1957.
IGUAPENSES ILUSTRES
Iguape também foi berço de muitas
personalidades que se destacaram no Brasil e no mundo, ente os quais:
Sérgio Francisco de Souza Castro, deputado geral e provincial e
senador pelo Paraná, no século XIX;
Comendador Philadelpho de
Souza Castro, deputado provincial e vulto de destaque na Capital Federal
(Rio de Janeiro), amigo do presidente Prudente de Moraes;
Comendador Luiz Álvares da Silva, agricultor e capitalista, que foi
deputado provincial;
Comendador João Mâncio da Silva Franco, agricultor e capitalista,
sócio de banco no Rio de Janeiro;
Eugênio de Andrada Egas, renomado jurista, diplomata,
conferencista, sócio-fundador do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo
e da Academia Paulista de Letras, intendente de São Carlos e deputado estadual;
Arnaldo Ferreira de Aguiar, vereador e prefeito de Santos, em 1926;
Cyro de Athayde Carneiro, prefeito de Santos, de 1938 a 1941;
Oraida Amaral Camargo, consagrada pianista;
Nícia Silva, notável cantora de ópera, que cantou na França,
Bélgica e Alemanha, mãe da cantora e cineasta Gilda de Abreu, casada com o cantor
Vicente Celestino;
Paulo Moutinho, jornalista que brilhou nas páginas de ”O Estado de São Paulo”, “Correio Paulistano”, “A Gazeta” e outros jornais;
Trajano Vaz, reconhecido pintor, que estudou em Paris e pintou,
entre outros, o quadro do achado da imagem do Bom Jesus.
O
TURISMO
O turismo, hoje, é uma das principais economias do
município, ao lado da pesca, do comércio e serviços e da agricultura.
Já em fins do século XIX, as praias de Iguape e Cananeia
eram utilizadas por veranistas. Os médicos destacavam as qualidades
terapêuticas da água do mar. Em 1920, foi construída na Ilha Comprida uma Vila Balneária, que, no entanto,
funcionou por apenas dois anos.
De maneira mais organizada, o turismo começou a ter certa
importância a partir da década de 1950, quando foram adquiridas enormes glebas
de terras na Ilha Comprida, que deram origem a muitos dos atuais balneários. A
partir da década de 1970, veio o ”boom”, quando o turismo se firmou
definitivamente.
Pacata, hospitaleira, sem aquela agitação dos grandes
centros urbanos, Iguape oferece um bom serviço para a recepção de turistas,
como hotéis, pousadas, pensões, além de restaurantes, lanchonetes, clubes, etc.
ROBERTO FORTES, historiador e
jornalista, é licenciado em Letras e sócio do Instituto Histórico e Geográfico
de São Paulo. E-mail: robertofortes@uol.com.br
Blog: https://robertofortes.blogspot.com/