Em uma cena da novela “A Lei do Amor”, exibida pela Rede
Globo [de 3 de outubro de 2016 a 31 de março de 2017], o personagem Tião
Bezerra, interpretado pelo ator José Mayer, em resposta ao delegado que decretou
a sua prisão preventiva, disse que o mandaria para os “confins do Vale do
Ribeira”. Essa frase (na verdade, uma bravata do personagem metido a dono do
mundo) provocou protesto generalizado na região, principalmente nas redes
sociais.
Créditos foto: Site ISA (expedição ao Rio Ribeira) |
Desde muito que o Vale do Ribeira é desprezado pelos
poderes constituídos e pelas mídias em geral. Durante muitos anos a região foi
chamada de “Nordeste Paulista”, e é de considerar que esse estigma tenha
perdurado até os dias atuais. No imaginário da sociedade brasileira, a
televisão em particular, o Vale do Ribeira é uma região isolada, pobre,
marginalizada, para onde ninguém, em sã consciência, gostaria de ir ou muito
menos de ser transferido.
E esse abandono vem de longe. Há sessenta anos, o
historiador e jornalista Ary de Moraes Giani (Eldorado, 1913 – Santos, 2005), publicava no jornal “A Tribuna”, de Santos, uma série de artigos intitulada, bem
sugestivamente, “A região que São Paulo esqueceu”. Os títulos dos artigos
também eram bem sugestivos: “Depende de programa do Governo o desenvolvimento
do Vale do Ribeira”; “Iguape luta ainda com o problema número um: vias de
comunicação”; “Continuam os transportes a desafiar os litorâneos”; “Estradas
para recuperar a zona fértil do Ribeira”; “Necessário elaborar programa de
transporte para o litoral”; “Povo abandonado luta pela grandeza da Pátria”;
etc. Ary Giani foi uma voz clamando no deserto na defesa da região que ele
tanto amou e pela qual tanto batalhou junto aos poderes constituídos.
Em janeiro de 1961, o presidente Juscelino Kubitschek
inaugurava a BR-2, depois chamada de “Regis Bittencourt” no trecho entre São
Paulo e Paraná, em homenagem ao engenheiro-civil Edmundo Régis Bittencourt, que
foi presidente da Associação Rodoviária do Brasil (ARB). Parecia que o Vale do
Ribeira finalmente seria integrado ao complexo rodoviário nacional e teria
condições de se desenvolver. O progresso material e social, no entanto, não
acompanhou a rodovia.
Foi na segunda gestão do governador Laudo Natel [ 15 de
março de 1971 a 15 de março de 1975] que o Governo Estadual “percebeu” a
existência da região e de suas potencialidades. Durante um dia, em 13 de agosto
de 1971, o Governo Estadual foi transferido para Registro (SP), que na época
engatinhava rumo à condição de “Capital do Vale”. Foi uma demonstração pública
da determinação de Laudo Natel visando “promover
o embasamento necessário para as soluções definitivas, a curto, médio e longo
prazos, dos problemas do Vale do Ribeira e de todo o Sul do Estado, visando
reerguê-lo social e economicamente.”
Nessa ocasião, Natel proferiu uma frase que entrou para a
história regional:
“São Paulo tem
uma dívida com esta região e o Governo começa hoje a resgatá-la. O Estado
precisa com urgência de uma Região Sul e de um Vale do Ribeira dinâmicos,
produtivos e, sobretudo, humanos, para os que aqui vivem. Não desperdicemos
tempo. Mãos à obra.”
Natel criou um plano específico para o desenvolvimento da
região. Autarquias estaduais foram instaladas em alguns municípios da região,
principalmente em Registro. Contudo, apesar das obras que Natel realizou no
Ribeira, o seu projeto não foi prosseguido pelos demais governadores, ficando o
Vale do Ribeira sempre abandonado e visto com desdém pelo Governo do Estado. É
evidente que obras também foram realizadas nos governos seguintes (Paulo
Egydio, Maluf, Montoro, Quércia, Fleury, Covas, Serra, Alckmin). Porém, nenhum
governador se interessou pela elaboração de um plano de desenvolvimento
sustentado para o Vale do Ribeira.
A despeito de suas riquezas naturais, culturais,
arqueológicas, arquitetônicas, o Vale do Ribeira ainda é visto na mídia como
uma região perdida no meio do sertão bruto, de difícil acesso, cercado por
feras, pobreza, miséria e coisas do gênero. É imperativo que a sociedade
organizada reivindique junto aos poderes constituídos (temos um deputado
federal e um vice-governador com raízes na região) melhores condições para o
Vale do Ribeira (saneamento básico, hospitais, indústrias não poluentes,
universidades, geração de emprego e renda, etc), para que, de uma vez por todas,
a região seja respeitada como merece
Somos dos “confins” do Vale do Ribeira, sim. Com muito
orgulho.
(Artigo publicado no “Jornal
Regional” (de Registro-SP), nº 1.235, de 24 de março de 2017)
ROBERTO FORTES, historiador e
jornalista, é licenciado em Letras e sócio do Instituto Histórico e Geográfico
de São Paulo. E-mail: robertofortes@uol.com.br
Blog: https://robertofortes.blogspot.com/