O memorialismo é um gênero literário que
se caracteriza pelo relato de memórias ou de experiências vividas e que podem
assumir diferentes formas (diário, autobiografia, correspondência, etc).
No Brasil, esse gênero é pouco cultivado,
podendo citar entre seus (raros) autores o escritor mineiro Pedro Nava
(1903-1984), que em livros magistrais (“Bau
de Ossos”, “Balão Cativo”, “Cera das Almas”, “Chão de Ferro” e outros) registrou
literariamente as suas memórias, transformando o memorialismo em literatura da
melhor qualidade.
O Guaviruva é um bairro rural atualmente
pertencente ao município de Registro-SP. No passado, fazia parte do vasto
município de Iguape, dentro do então distrito de Registro.
Grandes plantações de banana ocupavam
imensas áreas do bairro, entre as quais as pertencentes ao abastado agricultor
Benedito Alves Carneiro, proprietário de enorme fazenda no Guaviruva. Essa
fazenda era administrada pelo seu cunhado Francisco Ferreira Machado, o Chiquinho, que ali trabalhava e morava
com a sua numerosa família.
João de Souza Machado nasceu no
Guaviruva e ali viveu a sua infância, no seio de uma família constituída pelo
pai, pela mãe, pelos quinze irmãos, pelos empregados e agregados. Teve uma
infância feliz, daquelas vividas intensamente a cada dia, em contato íntimo com
a natureza, povoada por alegres folguedos.
Algumas dessas brincadeiras hoje seriam
consideradas politicamente incorretos, como matar passarinhos ou atear foto no
rabo dos gatos. Foi uma infância que até hoje está profundamente gravada nos
meandros de sua memória e da qual ele guarda ternas, imorredouras saudades.
O leitor deve estar a se perguntar: o
que têm em comum Guaviruva, Pedro Nava, Benedito Alves Carneiro, Francisco
Ferreira Machado e João de Souza Machado? Este cronista (por certo pensará o
leitor) deve estar com um parafuso a menos, depois de longos anos escrevendo
sobre a história do Vale do Ribeira e cansando a paciência de seus
condescendentes leitores.
Bem, vamos fazer as devidas conexões.
Como escrevi no primeiro parágrafo desta
crônica, Pedro Nava foi o nosso maior memorialista, expoente máximo de um
gênero literário até agora não devidamente valorizado no País.
E o bairro Guaviruva foi palco da
infância do menino João de Souza Machado, filho de Chiquinho e sobrinho de Benedito Alves Carneiro. Toda a sua agitada
vida de menino vivida no Guaviruva até os 10 anos, quando teve de se mudar para
a cidade de Iguape a fim de prosseguir seus estudos, toda a magia de sua
infância João de Souza Machado decidiu colocar no papel.
E assim nasceu o livro de memórias “Por que cresci! O Guaviruvense” (Edição
do Autor, 2016). Em trinta e nove capítulos, João Machado, numa prosa limpa,
simples, mas cativante, narra, em detalhes, como foi a sua meninice tão intensamente
vivida no Guaviruva.
Pescarias no rio Ribeira, reuniões
noturnas no alpendre do casarão, as refeições fartas e deliciosas, as
peraltices seguidas de doloridas surras, o vapor “Bento Martins”, as armadilhas (arapucas, esparrelas, mundéus, covos,
juquiás), o sabão de cinza, a casinha de queijo, o cigarro “Everest”, as abelhas e as motucas, Chico Geraldino e João Surdo, o
Grupo Escolar, o Corintinha...
O livro é daquelas obras que prendem a
atenção do leitor da primeira à última página. Um livro mágico que se lê de uma
tacada só. Leitura prazerosa com um gosto de “quero mais” quando chegamos ao fim.
O memorialismo brasileiro tem mais um
ilustre representante: João de Souza Machado, o menino do Guaviruva.
ROBERTO FORTES, historiador e
jornalista, é licenciado em Letras e sócio do Instituto Histórico e Geográfico
de São Paulo. E-mail: robertofortes@uol.com.br
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