Hoje, 19 de abril, é comemorado o Dia do Índio.
Muitos se perguntam qual o significado (ou a importância) dessa data, que para
outros não passa de mais uma data comemorativa e que, ainda por cima, nem
feriado é. Qual a relevância da população indígena, hoje, no Brasil? Qual a
situação em que se encontram os verdadeiros “descobridores” da Terra de Santa
Cruz? A resposta pode ser desanimadora.
Índios guaranis do Aldeamento de Itariri, Vale do Ribeira, em 1909. Foto tirada pelo naturalista teuto-brasileiro Ricardo Krone (1862-1917). |
Ao tempo do Descobrimento, segundo algumas
estatísticas, existiam cerca de cinco milhões de indígenas, de diferentes
tribos. A ambição do “homem branco” reduziu este total para algo em torno de 896
mil (Censo de 2010), quantidade, sem duvida, bastante inexpressiva e restrita a
reduzidas áreas. Se formos levar em consideração as populosas tribos do
passado, que habitavam vastíssimas regiões, constataremos que a situação atual de
nossos índios é vergonhosa. A realidade é triste e irretocável.
Muito pouco se conserva das antigas tradições dos
verdadeiros donos do Brasil, que tiveram as suas terras griladas por ávidos aventureiros de além-mar. Somente em poucos
locais da Amazônia encontramos algumas dezenas de indígenas não-aculturados. O
resto foi dizimado pelas doenças dos brancos ou obrigado a renunciar às suas tradições
seculares.
Às vezes, lemos ou ouvimos os nomes das antigas
tribos sem nos atinar quanto ao seu significado. Francisco Adolfo de Varnhagen
(1816-1878), que é considerado o pai
da historiografia tupiniquim (sem trocadilho), em sua clássica “História Geral do Brasil” (1854), dedica
muitas páginas ao estudo dos povos indígenas brasileiros, destacando
principalmente os seus costumes e tradições.
Quase a totalidade das diferentes tribos que viviam
e vivem no Brasil descende do grande tronco tupi. A tradução dessa palavra já é
bastante elucidativa. Tupi, ou
melhor, Y’pi, quer dizer “princípio de geração”. Segundo
Varnhagen, a letra T anteposta a um
substantivo o faz reflexivo de si próprio, daí temos T’Y’pi, ou seja, “os da
primeira geração”.
Os índios de todo o Brasil, à época do Descobrimento,
denominavam a si mesmo Tupinambá.
Usavam entre si denominações próprias, apesar de geralmente serem da mesma
origem. Abá significa varão, portanto
isso explica porque concediam a si mesmos o nome de Tupinambá.
Às vezes, chamavam-se de Abá-été, “pessoa verdadeiramente ilustre”. Se existia alguma
inimizade entre as tribos, chamavam-se Tupi-n-sem,
“tupis maus ou perversos”. Se não havia inimizade, esforçavam-se em
apelidarem reciprocamente de Tupi-n-ikis,
“tupis vizinhos, contíguos ou limítrofes”. Tupinambaranas eram os tupinambás bravos, que se apartavam
temporariamente, enfurecidos por alguma rixa.
A todos os que eram estranhos a sua tribo, chamavam
de Tapui ou Tapuias (bárbaros). Os
separados, às vezes, se chamavam Tamoi (avós),
e, para destacarem sua procedência, se apelidavam de Temiminós (netos). Outras vezes, se apelidavam de Guaiá ou Guaianá (irmãos), que deu
origem aos Guaiases e Guaianases.
Já os
Amóipiras, segundo Varnhagem, pode significar “parentes afastados” ou “os
da outra banda”. Anacés eram os “quase parentes”. Alguns tupis se
denominavam Guarani (guerreiros). Os
que eram senhores da Capitania de São Vicente chamavam a si de Guaianás.
Toda a costa brasileira era povoada por diferentes
tribos. Os Pó-tiguares habitavam
desde o litoral do Rio Grande do Norte até a Paraíba. Na faixa compreendida daí
até o rio São Francisco viviam os Caités.
No trecho que seguia para o sul, habitavam os Tupinambás e Tupiniquins, invadidos
depois pelos cruentos Aimorés. Os Guaitacás habitavam Campos. Nas
imediações do Rio de Janeiro até Angra dos Reis viviam os Tamoios. Os Guaianenses ou
Temiminós eram senhores da faixa até Cananeia. Mais para o sul, viviam os Cary’yós ou Carijós. E ainda tínhamos os
Caiapós em Goiás; os Muras, Maués e Mundrucus no Amazonas; e
os Guaicurus (índios cavaleiros) no
Alto Paraguai.
Hoje, constatamos, com tristeza, que a população indígena do país vai, aos poucos, desaparecendo. Se, conforme dizia a famosa marchinha de Carnaval, o índio queria apito, hoje ele quer ser reconhecido como cidadão brasileiro, respeitado em seus direitos e tratado sem preconceito ou desprezo.
Afinal, como diz a letra da música de Baby
Consuelo, “todo dia era dia de índio”.
E o índio brasileiro não pode continuar sendo apenas mais uma data no calendário.
ROBERTO FORTES, historiador e
jornalista, é licenciado em Letras e sócio do Instituto Histórico e Geográfico
de São Paulo. E-mail: robertofortes@uol.com.br
(Direitos Reservados. O Autor autoriza a transcrição total ou parcial deste texto com a devida citação dos créditos).
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