De Aurélio para Ambrosina

Aurélio Fortes (1883-1960), meu bisavô, trabalhou durante muitos anos como advogado provisionado, não apenas em Iguape, mas também em toda a região do Vale do Ribeira. Homem culto e afeito aos estudos, em 1916 prestou prova junto ao Tribunal de Justiça do Estado e obteve provisão para advogar. Naquele tempo, era permitido a leigos o exercício da advocacia, sendo chamados de “advogados provisionados”.

Aurélio e Ambrosina.
Aurélio e Ambrosina. 

Logo no início da carreira, Aurélio adquiriu o clássico Código Civil Brasileiro, do jurista Clóvis Bevilacqua, publicado em 1916, passando também a assinar a renomada Revista dos Tribunais, além da leitura diária de outros livros jurídicos e de assinar jornais, como O Estado de S. Paulo e o Correio Paulistano, os dois diários mais prestigiados da época. Tinha o seu escritório na rua Paulo Moutinho, no imóvel onde hoje funciona o Bazar Afife.

Moço ainda, pelos idos de 1906, Aurélio Fortes casou-se com a sua prima Ambrosina da Silva Fortes (1882-1913), carinhosamente chamada de Naná, com quem teve duas filhas, Theresa Altiva, minha avó, nascida em 1907, e Maria Apparecida (Mariquinha), nascida em 1908. Ambrosina viria a falecer prematuramente em 1913, aos 31 anos.

Antes de obter a provisão de advogado, profissão na qual trabalhou a vida toda, Aurélio Fortes fez um pouco de tudo. Trabalhou em Jacupiranga, foi para Matão, voltou para Iguape, foi escrevente no Fórum local, etc.

Como advogado, defendeu os interesses de centenas de clientes espalhados por todas as cidades da região. Naquele tempo, Aurélio era um habitual passageiro dos vapores que navegavam pelos rios do Vale do Ribeira, como o Bento Martins e o Vicente de Carvalho.

Aurélio Fortes viajava para a colônia japonesa de Registro, Prainha (Miracatu), Xiririca (Eldorado), Santo Antônio do Juquiá, Alecrim (Pedro de Toledo), Cananeia, Pariquera-Açu, etc. Enviava e recebia farta correspondência, contendo pedidos de seus clientes, bem como orientações dadas por ele. Guardou cuidadosamente todos esses documentos, que hoje nos possibilitam reconstruir uma parte da história do Vale do Ribeira, e ainda se ter uma ideia de como eram as relações sociais, as rotas dos vapores, os hotéis e comércios existentes, além de detalhes de seus clientes.

Mas o que eu desejava mesmo destacar nesta crônica é a relação amorosa que existiu entre Aurélio e a sua esposa Ambrosina. Quando trabalhava em Jacupiranga, Aurélio, ainda solteiro, escreveu uma carta à sua prima e amada, na qual, inclusive, esclarece algumas dúvidas que deviam estar martelando na cabeça de Ambrosina.

Eis a carta, datada de “Jacupiranga, 17 de janeiro de 1903”:
                                                                                        
“Querida prima Ambrosina. Que gozes a mais perfeita saúde em companhia de todos da sua família é o meu mais ardente desejo; enquanto eu vou indo regular graças a Aquele a quem devemos a existência. Naná, talvez a estas horas o teu pensamento julgue que o meu silêncio para contigo é alguma rival que tens. Mas... completo engano! Porque a minha palavra de homem, aquelas palavras que eu te disse lá na Ilha do Mar [Ilha Comprida], jamais serão esquecidas, jamais serão profanadas! Lembras-te? Quem as ouvia não era o oceano? Pois ele mesmo é uma testemunha. Creia, Ambrosina, que te amo, que só tu és a mulher que eu adoro e mais nenhuma. Se até agora não lhe tenho escrito não é que não tenha boa vontade, mas é que os meus afazeres são tantos, querida, que à noite dou graças a Deus deitar-me para descansar, e por isso te peço perdão de não ter te escrito há mais tempo, pois como você bem pode saber que nem para Marica nem para Papai, enfim para ninguém eu tenho escrito há dois meses a esta parte. Felicito-te dando-lhe os meus parabéns pelas felizes e melhores saídas e entradas do ano novo e que ele te corra com as mais ditosas e esperançáveis glórias, no meio de um jardim de imarcescíveis rosas e de odoríferos perfumes, coroadas com grinaldas de venturas. Terminando esta peço dares muitas recomendações à prima Helena e à titia, pedindo-te que aceites mil saudades e lembranças do teu primo Aurélio Fortes.”

E ainda acrescentou um post scriptum:

“Responda-me logo, viu? Não sejas ingrata como eu fui para você, por não lhe ter escrito até agora, mas creio que você me desculpará, não é assim? Naná não se zanga com o seu Aurélio, não é verdade? Tenho recebido todas as cartas que você tem me mandado.  Ambrosina, mande-me dizer em que casa é que estão morando agora porque eu soube que já se tinham mudado da casa em que estavam. Naná, queira desculpar os erros e os borrões [por]que são 1 hora da madrugada e por isso você deve saber que estou com sono, não é? Adeus até lhe escrever outra. Seu Aurélio.”

(Carta pertencente ao Arquivo de Aurélio Fortes, atualmente sob a minha guarda).

ROBERTO FORTES
ROBERTO FORTES, historiador e jornalista, é licenciado em Letras e sócio do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo.  E-mail: robertofortes@uol.com.br



(Direitos Reservados. O Autor autoriza a transcrição total ou parcial deste texto com a devida citação dos créditos).

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