Quando os colonizadores lusos chegaram por aqui, logo entraram em contato com os antigos donos da vasta Terra de Santa Cruz. Mais tarde, chegariam os africanos, aprisionados em seus reinos e trazidos à colônia para executarem o trabalho penoso que os indígenas não se prestavam a realizar. Dessa mistura nasceu o povo brasileiro. Povo sofrido é certo, mas dono de uma cultura ímpar, que talvez cause inveja a muitos países europeus ditos “puros de sangue”.
Hoje pode parecer incrível, mas, até meados do século XVIII, segundos renomados historiadores, os nossos ancestrais, no dia a dia, falavam (pasme, leitor) em tupi-guarani! Isso mesmo. O português só era usado em ocasiões solenes e na documentação escrita. Somente pela metade do Setecentos é que a língua lusitana se impôs e a “linguagem bárbara” passou a ser preterida.
No Vale do Ribeira, essa mistura de povos e de falares deu origem ao dialeto caiçara, que possui as suas próprias características. O valerribeirense tem o seu próprio “dialeto”; cada município tem as suas próprias expressões, mas é verdade que existem palavras e locuções que podem ser consideradas regionais, encontradas na totalidade dos municípios que compõem esta vasta região banhada pelo rio Ribeira de Iguape.
O professor Paulo Fortes Filho, ilustre educador e respeitado intelectual, lançou, em 2005, o antológico “Falares caiçaras: do Sabauna, Icapara ao Pontal da Barra”, um delicioso dicionário de palavras e expressões genuinamente caiçaras, colhidas aqui e ali ao longo de anos de estudo.
Confesso que não me canso de degustar todas as palavras, que vem rigorosamente separadas por gênero e classificadas gramaticalmente, apresentando ainda interessantíssimos verbetes. Uma obra-prima que merece fazer parte da estante de todos os que amam este vale banhado pelo majestoso Ribeira.
Vamos passar os olhos por algumas palavras e locuções típicas do Vale do Ribeira:
Ah, pois o quê (loc) – expressão de censura e, ao mesmo tempo, de resignação. “Ah, pois o quê, não temos mais nada a fazer”.
Aíva (adj) – doente; amofinado; coisa insignificante, sem valor; reles. “Hoje não estou bom, amanheci aíva”.
Caraguatá (s. f.) – tipo de bromélia.
Dejahoje (adv) – agora há pouco; agorinha mesmo; há pouco tempo.
Empalamado (adj) – pálido; opilado; com amarelão.
Empavesado (adj) – pessoa afetada; pernóstica; vaidosa.
Enfarado (adj) – enjoado; afetado; enfastiado.
Fastio vassoura (loc) – pessoa com muita fome; pessoa que come até se empanturrar. “Este menino tá com fastio vassoura, limpou a mesa, não deixou nada pra ninguém”.
Fuzilo (s. m.) – relâmpagos; corisco. “Se apressem, tá fuzilando lá longe, não demora muito se despeja a tribusana”.
Leguelegue (adj) – coisa sem importância; joão-ninguém.
Mainga do céu (loc) – exclamação de pena, de dó; ou demonstração de carinho.
Pitiu (s. m.) – mau cheiro; fedor.
Pitoqueiro (s. m.) – pessoa que vive enganando as outras.
Pororoca na barriga (loc) – prisão de ventre; ronco de barriga; flatulência.
Riberana (s. f.) – espécie de canoa usada principalmente no rio Ribeira de Iguape, mais comprida e mais bojuda que as canoas usuais.
Tribusana (s.f.) – tempestade; mau tempo; rolo; confusão.
Serracimano (s. m.) – morador de serra-acima; nome dado aos romeiros que participam das festividades em louvor ao Bom Jesus.
Vanzeiro (s. m.) – sucessão de ondas provocadas pela passagem de uma embarcação; redemoinho d´água.
Zimbrar (v) – cair; despencar.
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