Um ponto turístico do Vale do
Ribeira que vem sendo objeto de interesse nos últimos tempos é o pouco
conhecido e muito misterioso morro do Votupoca, cujo acesso é por trilhas na
mata. Esse morro, pertencente ao município de Registro-SP, fica na divisa com Sete
Barras.
Morro do Votupoca |
Algumas referências históricas deram
a entender que esse morro abrigaria um vulcão extinto. O Dr. Edmundo Krug, em
seu clássico estudo “Xiririca,
Ivaporundyba e Yporanga” (1912), escreve:
“[...] desenrola-se adiante dos olhos ao excursionista majestoso
panorama de successivas cadeias de montanhas que desapparecem no infinito azul
[...] em direção ao rio abaixo, se vê o Votupoca, morro de 600 m. de altura,
mais ou menos, que se presume ter sido vulcânico e no qual, conforme os ditos
de pessoas de meu conhecimento, se diz que há fontes de água quente”. (1)
No Livro do Tombo da Paróquia de
Eldorado (antiga Xiririca), de 1819, citado por Krug, referindo-se ao Votupoca,
consta esta anotação:
“Tem ribeirão que corre da parte de um grande morro que tem este nome,
o qual diz – morro que estala, que arrebenta”.
Essa formação geológica despertou
o interesse até mesmo do explorador inglês Sir Richard Burton (1821-1890),
quando de sua histórica viagem pela região do Vale do Ribeira em 1865, ao tempo
em que ocupava o cargo de cônsul em Santos.
Burton foi o
primeiro europeu a penetrar a cidade proibida de Hacar, na Etiópia, em 1854.
Nos anos de 1855 e 1857/1858, realizou duas expedições à África Central em
busca das nascentes do Nilo Branco. Foi o descobridor do Lago Tanganica,
juntamente com John Hanning Speke, em 1858. Visitou, também, a América do
Norte, mais exatamente a região do Great Salt Lake.
Seguindo a
carreira diplomática, foi cônsul na Ilha de Fernando Pó (1861), Santos (1865),
Damasco (1869) e Trieste (1872). Escreveu um interessante livro sobre o nosso
País: “The Highlands of Brazil” (O Planalto Brasileiro, 1869).
Richard Burton visitou o Vale do
Ribeira em 1865, quando dirigia o consulado em Santos. Fez interessantes descrições
das localidades por onde passou, e chegou até a fazer referência ao morro do
Votupoca, hoje pertencente ao município de Registro, que ele pensou ser um
vulcão extinto.
O relato da sua
viagem foi publicada na “Revista
Commercial de Santos”, de 1866, sob o título “Uma Excursão de Santos a Cananéa, Yporanga, Xiririca e Iguape”, e
transcrita no livro “A Ribeira de Iguape”
(1939), de Edmundo Krug, que aqui transcrevemos na íntegra:
“A 2 de janeiro do corrente ano, deixamos
Iporanga, com os auxílios prestados pelo sr. vigário da paróquia, reverendo
padre Antônio da Silva Pereira. Descemos a Xiririca, bela posição de vila, mas
carecendo totalmente de comunicações, que são a vida do país novo e crescente
como o Brasil, comunicações estas que se devem fazer à custa dos pequenos
recursos dos habitantes, e não por impulso do governo central, de quem tudo se
espera.
“De Xiririca fomos almoçar em casa do
vigário colado, reverendo Joaquim Gabriel da Silva Cardoso, pessoa cheia de
cortesia e conhecimentos locais. Entre outras coisas este senhor fez-nos
observar, do outro lado da Ribeira, um cone destacado e irregular, que os
índios chamavam Vutupoca, significando morro que rebenta.
“O vigário me assegurou que ele tinha visto
chamas deslizarem-se pela superfície da montanha, e que tinha ouvido sons
surdos que passarão a Ribeira e iam morrer no morro chamado Bananal Pequeno. O
país [região] estando inundado, não
nos foi possível examiná-lo desta vez. Pretendemos fazer ali outra visita, e se
lograrmos descobrir um vulcão, que esteja ainda em atividade, sem embargos de
profecias dos geólogos europeus, não lamentaremos os pequenos trabalhos e
riscos a que nos expusemos. Despedimo-nos do excelente vigário, prometendo-lhe
voltar, e prosseguimos a viagem.” (2)
Infelizmente, Burton nunca mais
retornou, pois continuou as suas andanças e aventuras pelo mundo.
Como vimos, em trabalho de 1912, Edmundo
Krug pensava que o Votupoca tivesse origem vulcâmica. Mais tarde, em seu estudo
“A Ribeira de Iguape”, de 1939, mudou
de ideia e desconsiderou essa possibilidade. Escreve o autor:
“Das proximidades da fazenda Caiacanga, avistamos o morro isolado
chamado Votupóca, do qual já tive occasião de fazer menção, quando transcrevi o
artigo de Burton, enviado á Revista Commercial de Santos.
“Não me consta ser esse morro de origem vulcânica, pelo menos não tenho
notícias directas sobre a sua formação geológica. Igualmente sou de opinião que
o vigário de Xiririca exagerava um tanto, quando affirmava a Burton ter ouvido
sons surdos e também observado chammas deslizarem-se pela superfície da
montanha. Parece-me tratar-se, aqui, de uma auto-sugestão ou o bom vigário
observou coisas que outros jamais viram.” (3)
Krug escreveu, no entanto, que
alguns fenômenos observados no Vale do Ribeira eram mais aceitáveis, como
fumaça e chamas na Serra do Cadeado, em Cananeia:
“Effectivamente têm-se observado interessantíssimos phenomenos na zona
em questão, que até a presente data não foram divulgados, afim de serem
devidamente estudados pelos competentes, como, por exemplo, a apparição de
densa fumaça e chammas de foto num morro completamente inaccessível na Serra do
Cadeado, mas querer impingir ao ignorante a existência de vulcões na zona da
Ribeira de Iguape é querer que o povo acredite em coisas que jamais existiram.”
O cientista também destacava a
existência de fontes medicinais na região:
“Seja, porém, como for, consta-me haver por ahi alguma fonte de água
mineral, que deverá ser estudada, ou, pelo menos, tentar-se desfazer qualquer
equívoco existente sobre esse interessante assumpto.
Krug também salienta que existiam
fontes medicinais no Ribeira, cujas águas tinham o paladar à altura da famosa
água mineral européia Rubinat:
“Que existem, porém fontes medicinaes na alludida zona, sou eu quem affirma,
porque já me levaram, em certa occasião, certa porção para experimentar.
Viajando em canoa pela zona em apreço, foi-me dada água a experimentar de um
volumoso córrego do lado direito da Ribeira, que tinha o paladar pronunciado de
água de Rubinat, isto é, o gosto de magnésia misturada com outros sais.”
Envolto em muitas histórias,
contam que o guerrilheiro Carlos Lamarca esteve no Morro do Votupoca e teria se
escondido na Pedra da Baleia.
Em seu livro “Os Bastidores do Poder”, de 2002, o registrense Selmo Mimo de
Oliveira defende a utilização do morro do Votupoca como atração turística, chegando
até a produzir um vídeo contando a história desse morro e mostrando as suas
belezas naturais. Segundo o autor, o morro “mede
409 metros acima do nível do mar, conforme dados da carta aerofotogramétrica da
Vasp, vôo 1967. Do seu cume enxerga-se a olho nu as cidades de Registro, Sete
Barras, Eldorado, Jacupiranga e Juquiá.” (4)
Apaixonado pelo Votupoca, Mimo
dedicou-lhe o poema abaixo:
MORRO DO VOTUPOCA
Apaixonei-me por ti,
oh! morro exuberante
Que faz os poetas
fluírem, muito distantes,
Tuas lindas flores,
destas matas verdejantes
Seja qual o horizonte,
vemos a todo instante
Tu és rico em
mananciais
Com aves lindas e
encantadas
Poucos sabem dos
potenciais
Oh! morro lindo e
abandonado.
Criam-lhe fatos
místicos
De um vulcão
adormecido
Poderás até ser pólo
turístico
Se tu fores
reconhecido.
De qualquer lado que
olhem
A colônia alegre sorri
Do Japão não sentem
saudades
Porque o Morro do
Votupoca lembra o monte Fuji
Deus te implantou no
princípio
Para ser marco dos
municípios
Casarões que já
reformaram, quase viraram maloca
Só falam em
ecoturismo, e esquecem do Votupoca.
Vale a pena conhecer o
morro do Votupoca!
NOTAS
(1) KRUG, Edmundo. Xiririca, Ivaporundyba e Yporanga.
Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, 1912.
(2) KRUG, Edmundo. A Ribeira de Iguape. Secretaria da
Agricultura, Indústria e Commercio do Estado de São Paulo, 1939.
(3) KRUG, Edmundo. Idem.
(4) OLIVEIRA, Selmo Mimo de. Os Bastidores do Poder. 1ª ed., Gráfica
Stampato, 2002.
ROBERTO FORTES, historiador e jornalista, é licenciado em Letras e sócio do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. E-mail: robertofortes@uol.com.br
Blog: https://robertofortes.blogspot.com/
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História do Vale