Em 1532, a darmos crédito ao cronista argentino Ruy Diaz de Guzmán, apareceu
na região de Iguape, Ilha Comprida e Cananeia o turbulento aventureiro espanhol
Rui García Mosquera. Juntamente com seu grupo de castelhanos, após exaustiva viagem
por toda a costa sul, “entrou em hum porto commodo, onde achou os naturais
do Paiz dispostos a fazer com elle aliança, e fundou uma pequena fortaleza”.
Pontal da Trincheira, Ilha Comprida. |
O genealogista paulista Pedro Taques,
escrevendo a frei Gaspar da Madre de Deus, informa que o porto e fortaleza de
Moquera foram fundados não dentro da ilha de Cananeia, mas sim junto ou em
frente a ela, de onde se conclui ter sido levantado esse forte no pontal da
Ilha Comprida.
De acordo com Taques, pela Barra de Cananeia,
entravam os antigos bandeirantes à caça de índios carijós e tupis. Por essa
barra também entrou o respeitável padre João de Almeida com grande número de
silvícolas da nação guarumines, que foram aldeados em São Paulo e Barueri.
Esse forte de Mosquera não logrou atravessar os séculos. Por ter sido
levantado no pontal, um lugar sujeito a constantes erosões devido à ação do mar
e, portanto, a constantes mudanças de sua configuração geográfica, o forte, com
o avanço das águas, foi terminar a sua gloriosa e épica existência no fundo das
águas do pontal.
Paulino de Almeida acreditava que esse que foi “um dos mais antigos
fortes, senão o primeiro construído na Capitania de S. Vicente, teve assento no
extremo sul da Ilha Comprida, na atual ponta da Trincheira”.
Durante quase três séculos, ficou a costa
de Cananeia e Iguape sem qualquer fortificação para a defesa das barras das
duas vilas. Não era raro navios piratas e corsários adentrarem pelas barras de
Icapara, ao norte, e de Cananeia, ao sul, e saquearem as duas vilas indefesas.
Era o próprio povo quem defendia as duas
povoações, pois não havia milícia. E, mesmo assim, o governo ainda recrutava
homens das duas vilas para o Real Serviço. Os povos e Iguape e Cananeia
constantemente reclamavam para que não fossem mais recrutados os seus homens,
pois o número de habitantes já era bastante reduzido.
Sensibilizado com esses clamores, o rei de Portugal, D. João V, mandou
publicar, em 8 de julho de 1726, uma Carta Régia onde determinava que não
fossem mais recrutadas gentes das vilas do Litoral Sul, “sobretudo de
Cananéia e Iguape, ameaçadas pelos piratas, que em virtude das notícias das
minas de Ouro, ali appareciam, por não ter fortalezas que defendessem esses portos”.
Paulino de Almeida explica que “devido à forte corrente das águas, na
barra de Cananéia, principalmente por ocasião das grandes marés, muito sofreu o
extremo sul da Ilha Comprida, onde se verificou o fenômeno da erosão, dando
lugar a uma sensível transformação quanto à forma do pontal, durante os últimos
anos. E como as águas dando volta ao mesmo solapassem a rocha, que a pouco e
pouco desmoronava, dentro em breve tão grande foi o avanço do mar que chegou a
atingir ao forte, desmoronando-o por completo”.
Por causa desses buracos, os antigos moradores do lugar acreditavam que
fossem produzidos por uma espécie de lobo marinho que, por ocasião das
tempestades, deixava as regiões abissais do oceano e seguia para o pontal. Ali
chegando, começava a cavar vorazmente nas bases dos barrancos, dando origem a
grandes buracos (ou tocas), na qual se abrigava quando caía a noite.
Até algumas décadas atrás, não era raro encontrar um morador do pontal que
se referisse àquelas escavações como “buraco do bicho” ou “comido do bicho”.
Por causa dessa crendice, as gentes do lugar costumavam chamar a fortaleza de
“Forte do Bicho”.
ROBERTO FORTES, historiador e jornalista, é licenciado em Letras e sócio do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. E-mail: robertofortes@uol.com.br
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