O
tenente-general José Arouche de Toledo Rendon foi um paulistano de destaque em
seu tempo. Nascido na vila de São Paulo em 1756, faleceu nessa mesma localidade
em 1834, aos 78 anos.
General Arouche |
Formou-se em direito em Coimbra, Portugal, e advogou durante algum tempo em sua mocidade. Mas, desde jovem, optou pela carreira militar, galgando cargos como capitão do regimento de infantaria de milícias, coronel comandante, mestre-de-campo, brigadeiro e tenente-general. Foi também agricultor. Deixou vários escritos sobre a Capitania de São Paulo, além de poesias e reflexões.
Arouche
ocupou diversos cargos públicos: juiz de medições, juiz ordinário, diretor
geral dos índios, fiscal da casa de fundição de ouro de São Paulo, juiz de
órfãos, presidente do Conselho de Guerra, governador interino das Armas da
Província, deputado provincial, encarregado dos arruamentos, provedor da Santa
Casa de São Paulo.
Foi
o primeiro diretor da Faculdade de Direito do Largo de SãoFrancisco, cargo que ocupou de 1827 a 1833. Era proprietário de boa
parte da zona central da cidade de São Paulo, hoje conhecida como Vila Buarque,
uma área que abrangia o atual Largo doArouche e a Praça da República.
Em
1788, quando havia assumido o cargo de governador da Capitania de São Paulo o
capitão-general Bernardo José de Lorena, Arouche escreveu suas “Reflexões sobre o estado em que se acha a
agricultura na Capitania de S. Paulo”, onde alinhavou alguns comentários
céticos – e poderíamos dizer até mesmo pessimistas – sobre a faixa litorânea
desde Santos a Paranaguá.
Arouche
escreveu que as vilas da marinha estavam num estado miserável e que mereciam maior
atenção. Observou que os lavradores da capitania trabalhavam unicamente três
meses no ano (isto é, referindo-se aos de Serra-acima, pois nas vilas da
marinha “muito menos se trabalha”).
“Em Santos”, destacou
Arouche, “já se vai tendo algum calor,
mas correndo a costa para o sul até o Rio de São Francisco nada ou quase nada
se trabalha e até faz virem lágrimas aos olhos ver como aquela gente vive
cercada de uma espantosa pobreza. A costa é só habitada nas praias porque os
habitantes se sustentam unicamente do mar. Em faltando ele, alimentam-se com a
água da congonha [erva mate].”
Indo
para Paranaguá, espantou-se de não encontrar alimentos pelo caminho que pudesse
comprar e, tanto na ida como na volta, nunca viu “pessoa alguma de qualquer sexo trabalhando, não digo só na lavoura
senão também em qualquer outra coisa, com exceção da colheita de mariscos pela
praia”.
Arouche
é bem ácido ao escrever: “Em uma palavra,
aquela gente é inútil ao Estado, porque homens dessa qualidade não tem amor ao
seu país e nas invasões não resistem porque não tem que perder.”
Ressaltou
que lavradores de outras regiões, mesmo com “toda
a sua vadiação”, traziam o milho de lugares distantes cerca de quatorze
léguas, ao passo que os habitantes da marinha, “vivendo em terras fertilíssimas, não tem de que sustentar-se”.
Curiosamente,
Arouche notou que as mulheres da marinha “são
muitos férteis”, supondo que isso fosse devido à fertilidade da terra, mas “não obstante a multiplicidade dos partos a
povoação não vai por diante.”
As
famílias moravam nas várzeas ao pé do mar, em lugares úmidos e, devido à
pobreza, dormiam diretamente no chão molhado, onde adquiriam “mil doenças”, tudo isso aliado a uma
alimentação deficiente baseada na “farinha
de pau”.
O
ilustrado militar fez apenas uma única exceção: “Exceto a vila de Iguape que tem aumentado. Lá os terrenos são mais secos
e de melhores cores e as moças são formosas; já há suas lavouras de cana e
algum gado”, notando que “uma das
cousas do seu aumento é a romaria [ao Bom Jesus]”.
Por
estas anotações, podemos concluir que, a despeito de Arouche ter sido bastante
pessimista quanto ao trecho da marinha, os seus olhos, no entanto, se
encantaram com a beleza das moças iguapenses.
Pessimista,
sim... bobo, não.
ROBERTO FORTES, historiador e jornalista, é licenciado em Letras e sócio do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. E-mail: robertofortes@uol.com.br
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