Debaixo do olhar sereno da senhora dona Joana Maria, o sol inclemente a lhes banhar todo o corpo em suor, eis que os escravos deram por terminadas as obras da pequena capela, à Senhora dos Pretos dedicada.
Ivaporunduva |
Estamos num certo dia de um certo mês entre os anos de 1775 e 1780, período em que foi pároco de Xiririca o sacerdote João Teixeira da Cruz. Recentemente chegada das Minas Gerais, Joana Maria, dona viúva, trouxera consigo a sua escravatura e se estabelecera naqueles ermos: tinha a certeza absoluta de encontrar muito ouro naqueles sertões esquecidos por Deus. E por temência a esse Deus ordenara aos seus servos que levantassem uma ermida para serem celebrados ofícios religiosos.
Passaram-se os anos.
Choupanas são levantadas nas proximidades da capelinha. Assim nascia
Ivaporunduva. Dona Joana Maria ainda veria a aurora do século seguinte: expirou
na idade de 90 anos, no dia 2 de abril de 1802, sem deixar quaisquer bens, pois
em vida soube distribuí-los aos seus escravos, dando-lhes, principalmente, o
bem mais precioso: a liberdade.
E a comunidade se
desenvolve com o passar dos anos. Em sua maioria, negros descendentes dos
ex-escravos da benemérita Joana Maria. E ali, no decorrer de gerações, vivem a
sua vida simples, preservando seus usos e costumes, suas festas típicas, em
especial as de cunho religioso, como as dedicadas à padroeira Nossa Senhora do
Rosário dos Homens Pretos e ao glorioso São Gonçalo.
Costumes que nem o
caminhar dos tempos ou as influências externas foram capazes de destruir. E
assim Ivaporunduva atravessou todo o século XIX, entrou pelo século XX e chegou
ao século XXI.
Mais de duzentos anos de
história podem ser contemplados tendo como pano de fundo a humilde capelinha
que as mãos calejadas dos escravos de Dona Joana Maria levantaram naquele
pedaço do majestoso Ribeira.
Aos poucos, o tempo foi minando
a estrutura da simples igrejinha, da modesta capelinha que foi cenário de uma
das páginas mais importantes da história regional ao tempo do esplendor
aurífero.
Eis que em março de 1998
caiu uma parte da parede. E o Condephaat, responsável pela preservação do
patrimônio histórico estadual, enviou uma lona plástica para ser colocada no
telhado. Novas chuvas e novos ventos se encarregaram de rasgar a improvisada solução,
até que em 11 de setembro de 1998 a fachada da humilde igrejinha desmoronou.
A modesta capelinha, que
bravamente aguentou a ação implacável do tempo, não conseguiu mais aguentar a
indiferença e o descaso do poder público. Felizmente, algum tempo depois, a capela
foi reconstruída, para ficar como testemunha de um passado de glórias – e de um presente de lutas.
Ivaporunduva vive!
ROBERTO FORTES, historiador e jornalista, é licenciado em Letras e sócio do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. E-mail: robertofortes@uol.com.br