Costeando o maciço da Jureia, no município
de Iguape, existe uma trilha de terra que remonta os primeiros anos da
colonização do Brasil. Envolto de mistério e lendas, esse caminho, segundo a
tradição, foi mandado abrir pelo donatário de São Vicente, Martim Afonso de
Souza, logo após ter instituído em sua capitania o Correio de El Rey.
Trecho do Caminho do Imperador. |
Contam que por esta trilha transitavam três estafetas que, partindo de São Vicente, traziam a correspondência até a então Vila de Nossa Senhora das Neves de Iguape. Era também por esse caminho que chegavam os mantimentos e as mercadorias destinadas aos comércios da vila, além das que chegavam pelo porto de mar. Alguns pesquisadores chegam a considerar este caminho a primeira “estrada” do país.
Sendo o trajeto bastante longo e sujeito a
ataques dos índios, com o perigo ainda de onças e outros animais selvagens,
ocorria o revezamento dos três andarilhos para, dessa maneira, desempenharem a
contento sua missão de estafetas do rei.
Por ali era feita a comunicação com todo o
sul do país. Em sua extensão existiam diversos pousos pertencentes aos antigos
caiçaras da Jureia, que gentilmente ofereciam “dormida” aos estafetas ou aos
mercadores que usavam a trilha.
Praia da Jureia. |
UM
CAMINHO HISTÓRICO
Através de documentos pesquisados sobre
esse caminho, percebemos que os nomes pelos quais hoje é conhecido são de data
bem recente, a saber, Correio Del Rey,
Caminho do Imperador e Trilha do Telégrafo. No século XIX, era
simplesmente conhecido como “estrada
geral da marinha” ou “estrada de
Iguape a Santos”, como se pode
facilmente constatar pela leitura atenta das atas da Câmara de Iguape, que
tratam da conservação desse caminho.
E é justamente através dessas atas que
muitas informações importantíssimas são conseguidas, dando-nos uma ideia
precisa da relevância desse caminho naqueles tempos em que os meios de
comunicação e de transportes eram raros e precários.
Uma das mais antigas referências a esse
caminho que conseguimos encontrar data de 1804, quando a Câmara de Iguape ordenou
que consertassem o “Caminho do Prelado”. A
vila do Prelado é um pequeno povoado situado a meia altura da praia da Jureia,
entre a Barra do Ribeira e o morro da Jureia, cujas origens se perdem nas
brumas da história. Não sabemos se essa denominação era dada antigamente ao “Caminho do Imperador”, ou se tratava-se
da pequena trilha que parte da vila do Prelado e vai dar no rio Comprido,
possibilitando assim, a comunicação com aquelas paragens através do rio.
A conservação desse caminho merecia da
Câmara de Iguape uma preocupação constante. Em 1828, foram gastos mais de 6 mil
réis com a compra de farinha destinada aos trabalhadores que executaram a
limpeza da entrada do morro da Grajaúna até o morro da Jureia.
Em sessão de 24 de dezembro de 1845, a
Câmara de Iguape solicitou 300 mil réis ao presidente da província destinado
aos consertos da “estrada geral da
marinha”, no trecho que passava pela vila. Parece que foi somente em 27 de
junho de 1846 que o governo liberou a quantia de 200 mil réis para “consertos da ponte e caminho do Prelado”.
Talvez essa verba tenha vindo em virtude do solicitado da sessão de 15 de maio
daquele ano, quando o fiscal da Câmara apresentou o relatório das necessidades
da vila, notando, entre outras coisas, que precisava ser “consertado o caminho do Prelado, principalmente a ponte”.
Em 10 de julho de 1866, um ofício do
inspetor do Tesouro Provincial comunicava ter determinado ao administrador da
Mesa de Rendas da cidade para entregar a Câmara a quantidade de 800 mil réis,
destinada à “estrada que d’ aqui vai a
Santos”.
Em sessão de 18 de abril de 1868, o
vereador Baptista Carneiro solicitou que o reivindicasse junto ao Governo da
Província a quantia de 400 mil réis, “para
os consertos da estrada da marinha, vistos ao morro da Jureia e Una se acham
intransitáveis, sendo estes lugares por onde passam os estafetas que conduzem
as malas do correio da Província”.
Já em sessão de 2 de julho daquele ano, a
Câmara tomava conhecimento de que, por oficio expedido em 30 de maio, o presidente
da Província havia autorizado a liberação da verba requerida, a ser utilizada “para os concertos da estrada que liga esta
Cidade à de Santos”.
TRILHA
DO TELÉGRAFO
Poste telegráfico. |
Trilha do Telegrafo é outro nome pelo qual
é conhecido esse caminho. Tal denominação é bastante apropriada, tendo em vista
ainda hoje existirem vestígios dos postes telegráficos que foram fincados ao
tempo da Guerra do Paraguai para possibilitar a comunicação com o Sul do País.
Foi no principio do ano de 1866, sob os
auspícios do Barão de Capanema, que se iniciou a instalação de uma linha
telegráfica no litoral paulista. O trecho compreendido entre Iguape e Santos
foi inaugurado no dia 2 de abril de 1871. Essa linha, partindo de Iguape,
passava pelas encostas do morro da Espia e seguia em direção às vilas do
Icapara e Barra do Ribeira, onde entrava pela Costeira da Barra, e ao morro da
Jureia, passando pelo Caminho do Imperador, ou Trilha do Telegrafo, e seguindo
em direção a Santos.
Sobre esse caminho existem algumas
historias pitorescas que a tradição local, tão colorida, encarregou-se de
conservar.
Uma das mais conhecidas é a de um morador
de Iguape, chamado Antônio Felipe da Silva (irmão do jornalista e poeta João
Bonifácio da Silva, prefeito de Iguape em 1933), que sofria das faculdades mentais.
Quando a sua mãe lhe pedia para fazer compras, ele, ao invés de ir ao comércio
local, seguia à linha do Telegrafo até a cidade de Santos, onde chegava depois
de caminhar vários dias pela mata. Então, fazia as compras e, novamente
acompanhando as linha do Telegrafo, regressava à Iguape.
Sobre a Guerra do Paraguai, muitos casos
foram encontrados. Dizem que as tropas brasileiras, em direção ao sul, teriam
passado por esse caminho.
Temos também a história de Rita Galdino,
cujo filho único fora recrutado às forças para engrossar as fileiras do exército
brasileiro no front paraguaio. A
decidida senhora, que morava em Cananeia, seguiu por terra pelo Caminho do
Imperador e foi até a Corte do Rio de Janeiro, onde conseguiu falar com o imperador
D. Pedro II e, assim, libertar o seu filho.
No ano de 1895, aconteceu um fato
interessante. O comerciante Júlio Mâncio de Toledo (também poeta e cronista) e a
sua esposa, que estava grávida do primeiro filho, seguiam pela Caminho do
Imperador para São Paulo, onde a mulher encontraria maiores recursos para o
parto. Porém, na manhã do segundo dia de viagem, sua esposa deu à luz, quando estavam
hospedados na casa do caiçara João Sabino Pinto, um pouco antes dos morros do
Guaraú. Esse João Sabino era o responsável pelo transporte dos passageiros,
feito em canoas, pelos rios daquelas paragens, através de contrato firmado com
o Governo da Província.
Pode-se dizer que a Trilha do Telegrafo
possui um significado místico para os caiçaras da Jureia. Na extensão deste
caminho ainda podem ser vistos restos dos antigos postes de ferro, alguns dos
quais ainda se conservam intactos ostentando os “canecos brancos” por onde passavam os fios telegráficos.
Nas bases desses postes, de quando em
quando, veem-se algumas velas ali colocadas pelos praianos, que costumam também
depositar moedas como cumprimento de milagres ou para solicitar alguns. Muitos
dos postes, derrubados pelo tempo, foram aproveitados pelos caiçaras locais
para servirem de calão em suas “redes-de-espera”.
Caminhar por essa trilha é como reviver um
pedaço da história do Brasil.
ROBERTO FORTES, historiador e jornalista, é licenciado em Letras e sócio do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. E-mail: robertofortes@uol.com.br