Iguape vive dias de intensa agitação com a sua tradicional festa dedicada ao Senhor Bom Jesus de Iguape, que atrai romeiros e visitantes de todos os quadrantes do Brasil. Personalidades ilustres já vieram à nossa cidade para conhecer de perto essa secular devolução, entre os quais, a heroína brasileira Joana de Gusmão, Adhemar de Barros, Oswald de Andrade e Albert Camus.
Quadro pintado pelo artista iguapense Trajano Vaz, em 1918. |
É a segunda maior romaria do Estado de São Paulo e uma das mais importantes de todo o País. O encontro da imagem do Senhor Bom Jesus ocorreu no distante ano de 1647. Quem a resgatou a história para a posteridade foi o padre-visitador Cristóvão da Costa Oliveira, que, em 1730, visitando a Vila de Iguape, vindo de Paranaguá, escreveu uma pastoral sobre o assunto, baseado em outros escritos mais antigos e na tradição popular. O historiador iguapense Waldemiro Fortes, nos anos de 1920, também resgatou inúmeras tradições relacionadas ao Bom Jesus, que nos dão uma idéia mágica de seu aparecimento.
O ENCONTRO DA IMAGEM
Existia na Praia da Jureia um sitiante chamado Francisco de
Mesquista, homem de relativas
posses e que ali possuía uma gleba de terras. Em fins de outubro de
1647, mandou que dois índios de seu serviço
doméstico fossem até a vila de Nossa Senhora da Conceição de
Itanhaém, sede da Capitania,
para buscar algumas mercadorias que encomendara. Assim incumbidos, com
brevidade os dois silvícolas partiram. Chegando na praia de Una, ao passarem nas proximidades
do rio Puçauna (ou Paçauna),
perceberam na beira da praia, rolando entre as ondas que se quebravam na areia,
um vulto que lhes despertou a curiosidade.
Aproximaram-se e constataram ser a imagem de um
santo, semelhante aos que já haviam visto anteriormente nas igrejas. Passado o
espanto, acharam por bem colocar a imagem em lugar seguro, um pouco mais
afastado da praia. Posicionaram-na de pé sobre o solo, enterrando suas
extremidades na areia, deixando sua face voltada para o nascente, mais precisamente na direção da vila de Itanhaém, para onde seguiam.
Investigando as imediações, encontraram também um caixão de madeira, no qual
acreditaram tenha vindo a imagem e, em
seu interior, cera do reino e uma botija de azeite doce, no que trataram de colocar tudo próximo ao santo.
Após esses cuidados, decidiram seguir
viagem e cumprir a tarefa que lhes fora incumbida pelo senhor. Em Itanhaém,
narraram o acontecido a diversas pessoas e, de posse das mercadorias,
empreenderam a caminhada de volta para casa. Ao passarem pela praia do Una,
mais exatamente no local onde haviam deixado a imagem do santo, qual não foi
sua surpresa ao constatarem que a sua face estava voltada na direção da vila de
Iguape, ou seja, do lado oposto que tinha ficado! E mais espantados ficaram ao
comprovarem a inexistência de qualquer vestígio de pegadas humanas ou de animal
nas imediações!
FICOU
EM IGUAPE
A notícia do achado correu rapidamente,
tão logo os dois índios deram conhecimento a Francisco Mesquita. Dessa forma,
curioso pelo acontecido, o caiçara Jorge Serrano, que morava nas proximidades
do morro da Jureia, decidiu verificar a veracidade do relato. Acompanhado de
sua esposa Ana de Góis, do filho também chamado Jorge Serrano e de sua cunhada
Cecília de Góis, foram todos até a praia de Una, onde, surpresos, encontraram a
imagem no exato local descrito pelos índios. Resolveram, então, levá-la numa
rede até a vila de Iguape para que fosse colocada na igreja matriz, dedicada à
padroeira Nossa Senhora das Neves, cuja imagem veio para Iguape em 1537.
Quando chegaram ao morro da Jureia,
pararam para descansar. Foi nesse momento que um grupo vindo de Itanhaém, onde
a notícia se espalhara com o vento, alcançou a família Serrano e lhe comunicou
que a imagem deveria ir para a sua vila, por ser a sede da Capitania. Quando,
porém, tentaram conduzir a imagem, ela tornou-se exageradamente pesada, o que
impossibilitou sua ida para Itanhaém. Por sua vez, a família Serrano,
pretendendo conduzir a imagem para a vila de Iguape, segurou a rede na qual o
santo havia sido trazido da praia de Una e, para o espanto de todos, a imagem
readquiriu o seu peso original!
Após esse breve imprevisto, a imagem do
Bom Jesus foi conduzida até Iguape, onde, após ter sido banhada numa fonte para
lhe retirar o salitre (chamada, a partir de então, de Fonte do Senhor), entronizaram-na na Igreja Matriz no dia 2 de
novembro de 1647.
Conta a tradição que a imagem fora
esculpida numa oficina da cidade do Porto, no Reino, encomendada por um rico
senhor-de-engenho de Pernambuco. Porém, ao se aproximar da costa brasileira, nas
imediações do Litoral Norte paulista, a embarcação portuguesa foi abordada por
piratas (possivelmente holandeses) e, para que a imagem não fosse destruída,
decidiram jogá-la ao mar, após o que a nau lusitana foi posta à pique pelos
flibusteiros.
SINAIS
MISTERIOSOS
Vários casos são narrados pela tradição
popular sobre o aparecimento do Bom Jesus. Em fins de outubro de 1647, o
vigário de São Sebastião, padre Manoel Gomes, estando na praia dos Castelhanos,
na face leste daquela ilha, por ocasião de uma rápida e violenta tempestade,
teve ocasião de ver, juntamente com outros moradores da praia, seis luzes
perfeitamente distintas que, iluminando grande espaço do oceano, seguiram em
direção ao Sul.
Moradores de Praia Grande, de Piaçaba-Açu
e Porto do Rei também presenciaram esse fenômeno e o levaram ao conhecimento do
vigário de São Vicente. Curiosamente, nas praias de Caraguatatuba, da Enseada e
da Figueira, situadas ao norte da cidade de São Sebastião, acostaram vários
destroços de uma embarcação que, com certeza, naufragou durante os últimos dias
de outubro ou em princípio de novembro daquele ano.
Também
na vila de Itanhaém, numa noite de fins de outubro de 1647, estando os fiéis na
igreja rezando a Ladainha de Nossa Senhora, ouviram, sob o ribombar dos trovões
provocados pela terrível tempestade que caía sem parar, um forte estrondo e,
para o assombro de todos, os sinos começaram a tocar sem que ninguém os
tangesse. Pescadores das redondezas afirmaram ter visto um forte clarão que
parecia se dirigir rumo ao Sul, fato que os deixou intrigados, pois naquele
momento ainda reinava ventania de Sul.
Em
pouco tempo, difundiu-se o culto em louvor ao Bom Jesus, que se transformou
numa das mais importantes romarias do país, ocasião em que, de 28 de julho a 6
de agosto, a cidade de Iguape fica tomada por romeiros vindos de toda a parte,
principalmente do Estado de São Paulo e da Região Sul do Brasil.
ROBERTO FORTES, historiador e jornalista, é licenciado em Letras e sócio do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. E-mail: robertofortes@uol.com.br