Ao tomar o poder em 1930, Getúlio Vargas destituiu todas as autoridades do país, substituindo-as por pessoas de sua confiança. Para os estados, foram nomeados interventores federais, que, por sua vez, nomeavam, por decreto, os prefeitos municipais. O Legislativo foi fechado e o prefeito governava o município sem o auxílio dos vereadores. Apenas em 1936 é que seriam realizadas eleições para o primeiro Legislativo após a Revolução de 1930.
Dois anos após Vargas se instalar no Palácio do Catete, eclodia em São Paulo a Revolução Constitucionalista, que tinha por objetivo obrigar o presidente a dar uma nova Constituição ao País, pois a que vigorava, de 1891, não estava sendo respeitada.
No dia 23 de maio, um protesto contra o governo federal resultou na morte de quatro jovens: Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo. Com as iniciais desses nomes, dias após, seria formada a sigla MMDC, que virou o logotipo da revolução constitucionalista.
E assim, no dia 9 de julho, explodia em São Paulo o movimento constitucionalista, apoiado amplamente pelo povo paulista. Foram meses de muita luta. Centenas de jovens paulistas sucumbiram nas trincheiras, motivados pelo ideal da constitucionalização do Brasil.
Como todo o efetivo policial das cidades paulistas fora requisitado pelo Governo do Estado, foi criada em cada município uma Guarda Municipal, formada pelos próprios cidadãos locais. Essa corporação era também conhecida pelo nome de Polícia Municipal, que, em Iguape, foi criada no dia 15 de julho de 1932, e era composta por 222 cidadãos iguapenses, que se apresentaram voluntariamente para o policiamento da cidade.
No dia 23 de julho, foi criada a Comissão da Guarda Paulista do MMDC, ou Comissão Municipal, como era conhecida, constituída pela Frente Única Paulista no Município, cujo propósito era trabalhar pela organização dos batalhões civis que deveriam permanecer de prontidão, aguardando o momento de entrar em combate. Essa comissão era formada por destacados cidadãos da época: o prefeito de Iguape, capitão Floramante Regino Giglio, Luiz Gonzaga Muniz, Paulo Barreiros, Álvaro Martins de Freitas e Hermelino França Júnior. Foram também criadas comissões idênticas nas subprefeituras dos então distritos iguapenses (hoje emancipados): Registro, Juquiá, Miracatu e Pedro de Toledo.
Essa comissão, apelando ao patriotismo das mães iguapenses, pedia que elas autorizassem seus filhos a se empenharem na luta “pela honra de São Paulo e do Brasil”. Segundo os inflamados slogans da comissão, o momento era de ação: “São Paulo é um só homem, um só pensamento. Levantou-se o Brasil em armas desde as chapadas do Amazonas às coxilhas do Rio Grande!” Cartazes com os dizeres– “Às armas! Viva Iguape! Viva São Paulo! Viva o Brasil uno e varonil!” – eram afixados por toda a cidade. Iguape fervilhava. A emoção, o amor à Pátria, e em especial ao Estado de São Paulo, eram bradados aos quatro cantos.
Foram também nomeadas subcomissões distritais: para Registro, Manoel Honório Fortes e Luiz Pires; Juquiá, Uriel Marques e João Adorno Vassão; Miracatu, coronel Diogo Martins Ribeiro Júnior e Roldão Constâncio Ferreira; e Pedro de Toledo, Joaquim Fernandes e J. Regino Vasconcelos. Essas subcomissões, de acordo com as instruções da Comissão Municipal de Iguape, teriam a colaboração dos subprefeitos dos respectivos distritos.
Legionários e voluntários iguapenses. (Foto: Acervo Ary de Moraes Giani). |
O “BATALHÃO REDENTOR”
Nesse mesmo dia 23 de julho, foi recrutado expressivo número de voluntários, que passaram a integrar o Batalhão Patriótico da cidade, que chamar-se-ia Batalhão Redentor (ou Redemptor, na grafia da época)Filhos de Iguape, nome escolhido em virtude da “grandiosa cruzada da redenção” que os seus componentes empreenderiam para a defesa de São Paulo.
A 1º de agosto, a Comissão do MMDC de São Paulo, Seção do Interior, solicitava o encaminhamento para a Capital dos voluntários já apresentados, para serem devidamente treinados, pedindo ainda que a Comissão Municipal prosseguisse com o alistamento de voluntários. A Comissão decidiu telegrafar aoMMDC comunicando que o serviço de alistamento continuava a ser feito com todo o entusiasmo e que alguns reservistas do município já haviam seguido para a Capital. Resolveu, ainda, telegrafar às subcomissões distritais, por intermédio dos subprefeitos, transmitindo-lhes os dizeres do MMDC da Capital.
Foi providenciada a confecção de fardamentos para uniformizar os voluntários alistados. Esse Batalhão Patriótico ficou aquartelado, antes da partida, nos prédios da Cadeia Velha e do Fórum da cidade. Era juiz de direito o Dr. Phydias de Barros Monteiro.
Esse primeiro destacamento do Batalhão Redentor Filhos de Iguape partiu para o front no dia 4 de agosto, com destino a Juquiá para combater as forças federais ali instaladas. Para a partida desse batalhão, organizou-se uma grande comemoração, a fim de se homenagear aqueles bravos e destemidos jovens que partiriam rumo aos campos de batalhas, arriscando a própria vida para a defesa da honra de São Paulo.
Inicialmente, os integrantes do batalhão assistiram à missa celebrada pelo padre Henrique Harbeck. Logo em seguida, por uma comissão de senhoras iguapenses, foi servido chocolate quente e doces aos voluntários. Depois, apesar da chuva torrencial que caía sobre a cidade, o pelotão desfilou garbosamente pelas ruas centrais de Iguape, sob os entusiásticos aplausos do povo iguapense.
No Porto General Osório, onde se deu o embarque, ao lado das autoridades e de pessoas gradas, acotovelava-se a multidão. Coroando a cerimônia de despedida, duas moças da sociedade, num gesto que deixou transparecer o patriotismo e a fé da mulher iguapense, pregaram às fardas dos voluntários medalhas com a efígie do Senhor Bom Jesus de Iguape. Fizeram-se ouvir vários oradores, entre eles, João Bonifácio da Silva, Joaquim de Souza Oliveira e a professora Amância Alves Muniz. Finalmente, debaixo da aclamação cívica dos que ficavam em terra, o vapor Rio de Una afastou-se, levando os bravos soldados iguapenses.
Esse batalhão, composto por 41 voluntários, era comandado pelo sargento José Nogueira e levava a bordo também o diretor do Grupo Escolar de Iguape, professor Bento Pereira da Rocha. Incorporados a esse pelotão, seguiram 17 jovens da cidade de Cananeia. O sargento José Nogueira também foi o autor do hino do Batalhão Redentor, cantado a plenos pulmões pelos voluntários rumo aos campos de batalha:
De São Paulo
Partiu o heróico grito
Que reboou no céu
Cortando os ares.
Nós queremos a lei e a justiça
Que na terra é a liberdade.
De Iguape
Seguiremos irmanados
Tendo em mira
Conquistar a glória.
Lutaremos com todo o denodo
Até ganharmos os loiros da vitória.
(Estrebilho)
Constituinte...
Constituinte...
Nós queremos vezes mil
Ou vencermos nesta luta
Ou morrer pelo Brasil.”
A REVOLUÇÃO CONTINUA
Por esse período, várias lutas sangrentas se desenrolavam em São Paulo. Das duas partes, tombavam centenas de mortos, banhando de sangue o Estado. O mês de agosto chega ao fim, inicia-se o mês de setembro e a revolução, já próxima do final, ainda consegue polarizar as atenções de todos.
Chega o dia 7 de setembro e a Comissão Municipal empenhou-se ao máximo para que a data fosse comemorada condignamente. Pela manhã daquele dia, foi celebrada missa pelo padre Pedro Gomes, capelão da Companhia Isolada do Exército de Santo Amaro (C.I.E.S.A.), companhia à qual estava incorporado o Batalhão Redentor, que contou com a presença da Guarda Municipal e do batalhão comandado pelo tenente Campos. À tarde, sob o olhar atento da população, saiu pelas ruas o desfile escolar realizado pelos alunos e professores do Grupo Escolar, sendo a festividade abrilhantada pela banda musical Santa Cecília, dirigida pelo maestro Paulo Massa.
Passa a empolgação pelo dia 7, mas não o fascínio pela Revolução. No dia 9 de setembro, um telegrama expedido pelo sargento José Nogueira comunicava estar suspensa a remessa de voluntários para Registro até segunda ordem, devido ao excesso de legionários aquartelados no distrito, sendo que os voluntários futuramente alistados deveriam permanecer em Iguape aguardando novas instruções.
No dia 12 de setembro, em telegrama enviado ao comandante Campos, da praça de Posto de Linha, a Comissão Municipal manifestou o seu contentamento pela vitória alcançada pelo destacamento do comandante na luta que travou contra os federais naquela localidade, expressando, ainda, a sua satisfação pela maneira exemplar como se comportou um dos seus subordinados, o iguapense Antônio de Campos Collaço.
No total, até o final da Revolução foram alistados, segundo o Livro de Alistamento da Comissão Municipal, um número de 76 voluntários, inscritos no período de 23 de julho a 26 de setembro de 1932, e que incorporaram o Batalhão Redentor Filhos de Iguape. É preciso levar em conta que muitos revolucionários, cujos nomes não constam do mencionado livro, também participaram da Revolução. Portanto, o número de voluntários iguapenses foi superior aos 76 soldados oficialmente inscritos. Esse número, somado aos 222 cidadãos que formaram a Polícia Municipal, perfazem um total oficial de 298 iguapenses que, direta ou indiretamente, prestaram a sua colaboração à causa de São Paulo.
Segundo vários depoimentos, apenas cinco voluntários iguapenses, integrantes do Batalhão Redentor, saíram feridos dos campos de batalha, não havendo, felizmente, qualquer baixa.
Vapor "Rio de Una", com os revolucionários iguapenses. (Foto: Arquivo Tribuna de Iguape). |
A REVOLUÇÃO MOBILIZA A CIDADE
Tão logo eclodiu, a Revolução polarizou as atenções do povo iguapense. Muitas comissões, destinadas a amparar a causa revolucionária, foram criadas na cidade. A Comissão Pró-Donativos às Famílias dos Voluntários Iguapenses, formada por senhoras da sociedade local, tinha por objetivo amparar as famílias dos revolucionários que partiram para o front e que eram arrimo de família. A Prefeitura Municipal organizou a Comissão Para Angariar Donativos, também formada por senhoras iguapenses, cujo propósito era arrecadar dinheiro e mantimentos para o êxito da Revolução.
Foi criada a Cruz Vermelha iguapense, composta por senhoras da cidade, para prestar auxílio aos feridos e dar assistência médico-hospitalar aos revolucionários e a seus parentes. A cidade foi dividida em quatro quarteirões, sendo designadas comissões para verificar o número de necessitados. Até o dia 31 de agosto havia sido apurada a existência de 171 famílias, num total de 925 pessoas, as quais receberam gêneros alimentícios e atendimento médico. Deve-se ser destacado o trabalho do Dr. David Coda, que não mediu esforços no sentido de amparar as famílias carentes.
A exemplo do que acontecia em outros municípios, em Iguape também foi instituída, pela Prefeitura, aCampanha do Ouro para a Vitória, para arrecadar peças de ouro, prata, cobre e outros metais e pedras preciosas destinadas à causa revolucionária. Aos doadores, o prefeito fornecia recibos, sendo depois enviados diplomas de São Paulo. A Coletoria Estadual local também angariava metais destinados a essa campanha, sendo que até 31 de agosto, haviam sido arrecadados donativos efetuados por 61 pessoas em ouro, cobre e outros metais. O doador também recebia como comprovante um anel de ferro, onde se lia a legenda: “Dei ouro para o bem de São Paulo”.
As mulheres iguapenses – mães, esposas, filhas, noivas e namoradas – reuniam-se diariamente nas dependências do Grupo Escolar ou em seus próprios lares, para confeccionarem fardamentos, agasalhos, meias de lã e, segundo se lê num jornal da época, chapéus de pano (“misto de capuz e capacete de explorador”), produtos que seriam remetidos aos soldados não só da cidade como também aos que eventualmente passassem por Iguape, destacados ou a passeio. Para a realização dessa tarefa, as mulheres da cidade abandonavam seus afazeres domésticos e se entregavam de corpo e alma à causa paulista.
No total, foram 87 dias de combates – de 9 de julho a 4 de outubro de 1932 –, com um saldo oficial de 934 mortos, embora estimativas, não oficiais, reportem até 2.200 mortos. Iguape inscreveu com bravura o seu nome nos anais da luta pela liberdade de nosso país.
OS REVOLUCIONÁRIOS IGUAPENSES DE 1932
Oficialmente, de acordo com o Livro de Inscripção de Voluntarios Para o Batalhão de Iguape, foram alistados 76 jovens, no período de 23 de julho a 26 de setembro de 1932, que integraram oBatalhão Redentor. Contudo, muitos outros jovens também arriscaram suas vidas por São Paulo sem terem assinado seus nomes no mencionado livro de alistamento. Dessa maneira, publicamos abaixo a relação dos 76 voluntários que se alistaram oficialmente, discriminando suas idades e profissões.
NOME IDADE PROFISSÃO RESIDÊNCIA
1. José Nogueira 24 Comércio Iguape
2. Alcides Cardoso 22 Mecânico Iguape
3. Amaro Serrador 24 Operário Iguape
4. João Rocha 24 Operário Iguape
5. Manoel Paulino da Silva 23 Pescador Iguape
6. Américo Amâncio 26 Operário Iguape
7. João Santiago de Carvalho 20 Ajud. Pol. Iguape
8. Carlos de Campos Collaço 23 Comércio Iguape
9. Adélio Fortes 18 Comércio Iguape
10. Celso Veiga 20 Operário Iguape
11. Antônio Andrade 27 Enfermeiro Iguape
12. Lucilio Carneiro 27 Operário Iguape
13. Andrelino Nicolau Slindvain 21 Sapateiro Iguape
14. Aristóbulo Lima 23 Operário Iguape
15. Oswaldo Freitas 18 Comércio Iguape
16. José Silva de Lima 19 Operário Iguape
17. Benedicto Pereira 22 Comércio Iguape
18. Raphael Gonçalves Archanjo 18 Operário Iguape
19. Antônio de Campos Collaço 25 Comércio Iguape
20. Sisenando Carvalho 29 Func. Munic. Iguape
21. Domingos Júlio de Ramos 17 Operário Iguape
22. Francisco Giglio Júnior 28 Comércio Iguape
23. Mário Mendes dos Santos -- Operário Iguape
24. Henrique Gonçalves 19 Carvoeiro Iguape
25. Romualdo de Medeiros 18 Jornaleiro Iguape
26. Florisval Conceição 25 Viajante São Paulo
27. Lúcio dos Santos 20 -- Iguape
28. Theophilo Fortes 20 Comércio Iguape
29. Antônio Ribeiro 19 Lavrador Iguape
30. João Pedro da Cruz 22 Operário Iguape
31. Horácio Gaudêncio Catira 22 Motorista Iguape
32. Silvino Silvestre 21 Marítimo Iguape
33. Lavenefrança Carneiro 19 Tipógrafo Iguape
34. Antônio Torquato 21 Foguista Iguape
35. Júlio Neves 19 Foguista Iguape
36. João Leandro Souza 19 Operário Iguape
37. Mário Mendes Santos 26 Operário Iguape
38. Bento Pereira da Rocha 36 Func. Publ. Iguape
39. Onofre Santanna Ferreira 23 Estudante Iguape
40. Oswaldo Rollo 23 Comércio Iguape
41. Antônio Giani Foz 23 Comércio Iguape
42. Ary de Moraes Giani 19 Comércio Iguape
43. Antônio Ambrósio de Souza 18 Operário Iguape
44. Ernestino Rocha 30 Operário Iguape
45. Francisco Souza 28 Jornaleiro Iguape
46. Paulo Adarico Brazil 31 Operário Iguape
47. Francisco Ribeiro 25 Operário Iguape
48. Antônio Martins Olympio 27 Lavrador Iguape
49. Alfredo Alves 22 Lavrador Iguape
50. João Olívio Ribeiro 21 Lavrador Iguape
51. Antônio Fortes Filho -- Comércio Iguape
52. Brazil Simões 29 Comércio Iguape
53. Antônio Pedroso 22 Operário Iguape
54. Moacyr Bruno -- Operário Iguape
55. Joaquim Marques de Moraes 30 Comércio Xiririca
56. Bolivar da Silva Prado 31 Comércio Iguape
57. José Izidro de Oliveira Júnior 19 Comércio Iguape
58. Elípio Cordeiro 37 Comércio Iguape
59. Hildebrando de Morais 20 Operário Iguape
60. Benedito Rodrigues Lisboa 18 Operário Iguape
61. Ruy Louzada -- Operário Iguape
62. João Antônio da Cruz 20 Operário Iguape
63. Emílio Franco 19 Operário Iguape
64. Mário Rocha 22 Operário Iguape
65. Lauro Gatto 24 Chauffeur Iguape
66. Assuero Lima 21 Comércio Iguape
67. Joaquim Duarte 20 Comércio Iguape
68. Antônio Collaço 36 Jornaleiro Iguape
69. Benedicto Ribeiro 17 Jornaleiro Iguape
70. Carmo Ribeiro Almeida 18 Jornaleiro Iguape
71. Salvador Sousa 17 Jornaleiro Iguape
72. Aurélio Miguel Rodrigues 17 Jornaleiro Iguape
73. Jorge Brazileiro de Freitas -- Sapateiro Iguape
74. Almando Camillo 18 Jornaleiro Iguape
75. Antonio Neves Camargo 30 Operário Iguape
76. João Torquato 18 Operário Iguape
ROBERTO FORTES, historiador e jornalista, é licenciado em Letras e sócio do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. E-mail: robertofortes@uol.com.br