Sábado, 29 de janeiro de
2000. O que fazer no fim de semana tão esperado? Ficar em casa vendo TV, ler um
bom livro ou sair pelo mundo? A terceira hipótese foi a escolhida. Preparamos
as coisas, fizemos o nosso farnel e pegamos a estrada. Acompanhado pelos
inseparáveis companheiros de toda a vida – minha querida esposa Márcia e meu
agitado filho Bruno –, pegamos a reta, como diz o vulgo. Qual o destino? Dúvida
cruel! Jureia, Ilha Comprida, Praia do Leste? Não. Já estávamos um pouco
saturados de praia. “Que tal algo diferente?” – sugeri. “O que vocês acham de
irmos conhecer a Caverna do Diabo, em Eldorado?” Ideia prontamente aceita por
todos. E lá fomos nós.
Não conhecíamos o roteiro. Sabíamos que a caverna ficava
bem depois de Eldorado. Logo no trevo de Jacupiranga, que está em obras,
erramos o desvio e saímos quase perto de Registro. A BR está sendo duplicada, e
a sinalização, quando não é péssima, inexiste. Retorno sinalizado, nem pensar.
Nesse imprevisto, gastamos vinte minutos e rodamos quarenta quilômetros. Tempo
perdido. De volta à rota, seguimos na direitura da velha Xiririca.
Ao chegarmos no trevo da caverna, novamente nos
“perdemos”, quer dizer, seguimos em frente. E a caverna que nunca chegava! Paramos
na estrada e perguntamos onde ficava a dita cuja, ao que uns garotos
responderam: “Fica lá pra trás, moço, vocês já passaram; indo em frente vai dar
em Iporanga”.
Iporanga! A cidade do ouro. E por que não seguir em
frente? Sempre tive vontade de conhecer essa cidade fundada por mineiros
iguapenses ao tempo do esplendor aurífero, lá por meados do século XVIII. Mas
que estrada horrível! Fez-me lembrar da observação feita por Sir Richard Burton
ao visitar o Vale do Ribeira em 1865, quando classificou o caminho que ligava
Iguape a Santos como “o mais detestável
do mundo”. Estamos no limiar do século XXI, mas o Vale ainda continua
preterido em termos de estradas!
Depois de uma árdua e
estafante viagem pela péssima estrada que margeia o rio Ribeira de Iguape,
chegamos a Iporanga. Na acanhada mas aprazível pracinha respira-se paz e tranquilidade;
temos a sensação que o tempo parou e estamos num vilarejo do século XVIII, não
fossem algumas modernidades que se discernem aqui ou acolá. A igreja
(construída entre 1814 e 1822) sofreu reforma em tempos pretéritos e adquiriu
um ar germânico, ao que me pareceu, numa análise não muito acurada.
Uma canoa (fazendo as vezes de canteiro de flores)
colocada ao lado da igreja, chamou-me a atenção pela data que estampava: “Iporanga 1576”. Estranhei. Com certeza
não é a data de fundação de Iporanga, pois nessa época existiam, no Vale do
Ribeira, apenas os povoados de Cananeia e Iguape. Iporanga foi fundada bem
depois, em torno de 1751, por mineiros saídos de Iguape que foram em busca de
ouro de lavagem.
No belíssimo histórico de Iporanga, elaborado por
Edmundo Krug – que pesquisou a região no início do século XX, e teve acesso a
documentos hoje inexistentes –, não resta dúvida que Iporanga nasceu em meados
do século XVIII. Acredito que essa data – 1576 – tenha sido retirada de um
jornalzinho editado nos anos 1970 pela Secretaria de Turismo do Estado, que
publicou verdadeiras atrocidades históricas, colocando, como certos, dados que
pecam pela falta de pesquisa e mesmo pelo descaso de quem os elaborou.
Passeamos rapidamente por Iporanga, tirei algumas
fotos e fomos saciar a fome, que já nos incomodava, numa pequena lanchonete. E
tocamos viagem, pois que a hora estava adiantada. Fizemos o caminho de volta em
demanda da Gruta da Tapagem [antigo nome da Caverna do Diabo], descoberta por
Ricardo Krone. Desta vez, prestamos atenção na placa e seguimos em frente.
Chegamos por fim ao local objeto de nossa viagem.
Caverna do Diabo, considerada uma das mais
importantes do mundo! Em seu interior, guiados por um atencioso monitor que nos
mostrou, com uma fraca lanterna, figuras que só ele enxergava (confesso que
consegui identificar poucas imagens; a iluminação é deficiente), assim guiados,
percorremos as inúmeras galerias.
O espetáculo é deslumbrante! Do teto gigantesco
pendem enormes estalactites, que unem-se embaixo a outros não menos ciclópicos
estalagmites, formando colunas medonhas. Meu filho ficou interessado pelo
“nariz” do Diabo, uma “fossa nasal”, na qual se pode enfiar quase um braço
inteiro. Confesso que gostei mais do próprio teto da caverna, que parece se
perder lá nos confins do espaço.
Fiquei imaginando a sensação de Ricardo Krone ao
descobrir essa gruta, ele que costumava acampar durante semanas no interior das
dezenas de cavernas que descobriu em Xiririca e Iporanga. Qual a sensação
experimentada pelo grande sábio alemão, que adotou o Vale do Ribeira como
segunda pátria? (Cheguei a invejá-lo; mas foi uma inveja saudável, caro
leitor.)
Depois de meia-hora rondando pelas inumeráveis subidas
e descidas da caverna, fizemos a viagem de volta, em busca da saída. Que
delicia retornar ao mundo exterior! Olhando de fora, para a acanhada porta de
entrada da caverna, a gente não dá nada; quem pode imaginar que lá dentro se esconde
uma gigantesca e “diabólica” caverna, sem dúvida um dos maiores (senão o maior)
espetáculos da natureza de todo o globo terrestre?
Essa nossa viagem ficou com gostinho de quero
mais!
(Crônica publicada nas edições de
4/2/2000 e 11/2/2000 do “Jornal Regional”)
ROBERTO
FORTES, historiador e jornalista, é licenciado em Letras e sócio do Instituto
Histórico e Geográfico de São Paulo. E-mail: robertofortes@uol.com.br
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