Sempre fui fascinado por esse personagem misterioso e (quase) completamente desconhecido da história luso-brasileira, que foi chamado por alguns de Antônio Rodrigues, por outros de Duarte Peres e, pela grande maioria, de Cosme Fernandes. O seu verdadeiro nome talvez jamais possa ser realmente confirmado através de documentos históricos fidedignos, pois simplesmente tais documentos, pelo menos até agora, ainda não foram localizados.
Nos poucos documentos existentes que se referem a esse personagem, ele é nomeado apenas, e tão somente, como “Bacharel”. Foi assim que a ele se referiu Digo Garcia quando o encontrou na costa de São Vicente e lhe encomendou um carregamento de escravos, em 1527. Também assim foi chamado pelo irmão de Martim Afonso de Sousa, o escrivão da armada Pero Lopes de Sousa, quando foi encontrado em Cananeia, em 1531. Também com esse apelido foi nomeado pela rainha da Espanha quando solicitou o seu auxílio, em 1536, ao navegador Gregório Pesquera Rosa, que pretendia fazer uma viagem do Brasil. E também num documento, de autor anônimo, cerca de 1540, que se referia ao fato de ele, o Bacharel, ter deixado algumas plantações na ilha de Cananeia. São apenas esses quatro documentos que se referem à existência do Bacharel em terras brasileiras, particularmente em Cananeia e Iguape. O resto não passa de suposições, conjeturas e invencionices.
Em 1895, o historiador anglo-brasileiro Ernesto Guilherme Young (1850-1914), baseado em farta documentação garimpada nos arquivos de Iguape, identificou o Bacharel como sendo Cosme Fernandes, também chamado de Bacharel Mestre. É a provável denominação do Bacharel, aceita por boa parte dos historiadores dos primórdios da colonização portuguesa na América.
Durante anos, foram infrutíferas as minhas buscas para descobrir a origem do Bacharel. No início de 2012, resolvi contatar a Torre do Tombo, em Portugal, para ver se na “terrinha” existiriam informações sobre o nosso desconhecido Bacharel. O “assessor principal” do Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT), enviou-me prontamente a resposta, que, confesso, além de desanimadora, ainda nomeou o Bacharel como sendo “António Rodrigues”, nome que, tenho certeza, não é o nome verdadeiro do Bacharel. Eis a resposta:
“Documentação sobre o luso-brasileiro António Rodrigues, o “Bacharel de Cananeia”, degredado no Brasil para onde terá sido deportado nos finais do século XV ou princípios do XVI. Em resposta ao e-mail de 4.3.2012 do cidadão brasileiro Sr. Roberto Fortes, sobre o assunto em epígrafe, informamos:
“1 - Na sequência da pesquisa realizada nos índices de diversos fundos e colecções documentais do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, não foi localizado qualquer documento sobre o luso-brasileiro António Rodrigues, o “Bacharel de Cananeia”, degredado no Brasil para onde terá sido deportado nos finais do século XV ou princípios do XVI. A pesquisa incluiu a Chancelaria Régia dos reinados de D. João II e de D. Manuel I, para além das colecções das Gavetas, do Corpo Cronológico e do Núcleo Antigo. Quanto ao fundo do Tribunal do Santo Ofício não tem interesse para o efeito, uma vez que não possui documentação anterior a 1536.
“2 - As únicas notícias que localizámos sobre o “Bacharel de Cananeia” constam da Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira – Brasil, vol. II, p. 73 (em Cananeia) e da Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, vol. V, pp. 685 e 686 (em Ilha da Cananeia ou A Cananeia) e vol. XXV, p. 906 (em António Rodrigues). Tratando-se de uma obra de referência, poderá certamente consultá-la numa biblioteca pública da cidade de Iguape ou então na cidade de São Paulo ou outra grande cidade do Brasil.
“3 - Com vista a obter eventualmente outras notícias ou quiçá documentação sobre esta enigmática personagem histórica, propomos que também contacte directamente o Arquivo Histórico Ultramarino, em Lisboa.
“Com os melhores cumprimentos. Lisboa, ANTT, 21 de Março de 2012. O Assessor Principal Luís Filipe Marques da Gama”
Seguindo o conselho do “assessor principal”, entrei com contato com o Arquivo Histórico Ultramarino, mas a resposta, além de econômica, também não foi animadora:
“Exmo. Senhor Roberto Fortes. Agradecemos o mail. Informamos que o acervo do AHU data predominantemente de meados do séc. XVII a 1974. Com os melhores cumprimentos. Ana Cannas, Diretora. 07/11/2012”
A minha esperança agora é o Archivo General de Indias, em Sevilha, Espanha. A esperança é a última que morre, como diz o vulgo.
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