Plínio
Salgado (1895-1975) foi um escritor, jornalista, teólogo e político conservador
brasileiro. Inspirado no fascismo italiano, fundou no Brasil a Ação
Integralista Brasileira, partido nacionalista católico de extrema-direita. A
princípio, foi simpatizante de Vargas. Depois, acusado de ações contra o
governo, exilou-se em Portugal. Voltando ao Brasil, foi deputado por várias
legislaturas.
Deixando
de lado o político e o ideólogo, focalizemo-nos tão somente no escritor. Autor
de dezenas de livros dos mais variados gêneros e estilos (romances, poesias,
crônicas, psicologia, política, história etc), Plínio Salgado escreveu, entre
os anos de 1938 e 1939, o romance “Trepandé”,
que só foi publicado em 1972 pela Livraria José Olímpio Editora.
A
história, que se passa entre os anos de 1923 e 1927, é ambientada na imaginária
cidadezinha de Trepandé, localizada entre Cananeia, Iguape e Ilha Comprida. Como
é do conhecimento do leitor, Trepandé (ou Trapandé) é o nome de uma baía
situada em Cananeia. A história também faz referências a Xiririca, Juquiá, Registro
e Paranaguá.
As
personagens são delineadas em traços rápidos, com requintes de humor. Temos o
coronel Brasilino Japecanga, presidente da Câmara Municipal; João Minuano
(Jonjoca), o prefeito; padre Antônio, culto e humanista; Major Olímpio,
tabelião; Elesbão Cuiabano, o impoluto juiz de direito; Dona Januária, dona de
pensão, que tem duas filhas, uma das quais enlouquece quando o noivo a abandona;
Vasco da Gama, tipógrafo do jornal “O
Município”; Fidêncio Porfírio, barbeiro, criador de tônicos capilares de
efeitos discutíveis; Tonico Caolho, moço rico de Iguape; Elídio, pescador;
Jongo Monjolo, negro feiticeiro; Neco Magnésia, o velho telegrafista; Dr.
Desidério Ponce, técnico da Secretaria da Agricultura e a sua fútil esposa Mimi;
Timandro, gerente da Fábrica de Fósforos; Madureira, diretor da Colônia Graxaim;
Pinto Bravo, misterioso corretor em São Paulo; e muitos outros. Nada menos que
setenta personagens percorrem as páginas desse curioso e pitoresco romance!
Em
linhas gerais, Trepandé é uma pacata cidadezinha litorânea, cujo acesso é feito
apenas por embarcações então chamadas de vapores, como o “Joli” e o “Graciema”. A
vida ali corre igual em todos os dias, com as mulheres tratando dos afazeres
domésticos, os homens trabalhando ou conversando na farmácia, no bar ou no Cine
Jazz, as crianças brincando despreocupadamente.
Quando,
então, chega à cidade um grupo “progressista”, que ali instala uma colônia, chamada
“Graxaim” (nome dado a cachorro do mato), cujo objetivo é a venda de lotes a
companhias colonizadoras europeias. É também instalada uma Fábrica de Fósforos,
e até aberto um banco, onde são depositadas as economias de toda uma vida dos
pobres habitantes.
Na
verdade, tudo não passa de um grande golpe. A colônia, que não consegue vender
os lotes aos desconfiados agentes europeus, tem que ser periodicamente “abastecida” com dinheiro
retirado fraudulentamente do banco, desfalcando-o e deixando-o sem lastro para honrar
os saques dos depositantes.
Artimanhas
são perpetradas. Alcoforado, coletor, ganha cem contos na loteria e muda-se com
a família para São Paulo, onde passa a viver uma vida de nababo, esbanjando
parte da fortuna. Com o que sobrou, é convencido a investir na Colônia Graxaim que,
sendo apenas a fachada de um grande golpe, acaba indo à falência. A sua filha,
Zélia, poetisa, fica de encantos com o advogado Dr. Ortiz, na realidade um cafajeste
que tenta iludir a moça com discursos literários, mas que, quando percebe que o
futuro sogro ficara na miséria, sai de fininho da história. Falido, Alcoforado
e família retornam, humilhados, a Trepandé.
O
barbeiro Fidêncio larga a mulher e filha para fugir com dona Januária da pensão,
que abandona as duas filhas solteiras, que passam a depender da caridade
alheia, e vão morar no Rio de Janeiro, onde Fidêncio prospera em seus negócios,
mas logo cai na farra com outras mulheres e enjoa da amásia que, ultrajada,
desaparece numa noite; ele, então, chama a esposa e filha para morarem no Rio,
e, assim, dar um ar de respeito aos seus negócios.
Temos
ainda o bom médico Santelmo, dono da única farmácia, que é um verdadeiro
salvador da gente humilde, e muitas vezes tira dinheiro do próprio bolso para
socorrer os miseráveis. E ainda a jovem beata Emerentina, presidente da Pia União das filhas de Maria, a personagem mais equilibrada, que, já balzaquiana, casa-se,
diante do altar de Nossa Senhora dos Navegantes, com o seu antigo amor, que
volta à cidade especialmente por causa dela. Já a poetisa Zélia Alcoforado, a
quem é dado o cartório local, percebe que ela e o delegado Fulgêncio Valério,
também poeta e escritor, tem muito e comum, e terminam a história juntos.
Com
a falência da Colônia Graxaim, da Fábrica de Fósforos, do Banco de Trepandé, e com
o consequente êxodo de muitos moradores em busca de novos horizontes, Trepandé
torna-se inviável econômica e administrativamente. Perde o seu status de
município e comarca, e termina como mero distrito de Iguape.
A
personagem principal do romance é a própria Trepandé, em torno da qual orbitam
todas as demais personagens. O livro, com todas as suas histórias
diversificadas, com todos os seus dramas, paixões, alegrias e desencantos, daria
uma ótima novela das seis da Rede Globo.
Plínio
Salgado escreveu outro livro, “Geografia
Sentimental” (1935), que também faz referências a algumas cidades do Vale
do Ribeira. Mas isso é assunto para uma próxima crônica.
ROBERTO FORTES,
historiador e jornalista, é licenciado em Letras e sócio do Instituto Histórico
e Geográfico de São Paulo. E-mail:
robertofortes@uol.com.br
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