O que existe em comum entre Honoré de Balzac (1799-1850) e Ivan Turgueniev (1818-1883)? À primeira vista, nada. O primeiro viveu na agitada França, fonte abastecedora da cultura ocidental. O segundo, na Rússia patriarcal dos czares, celeiro efervescente da cultura oriental. O que os aproxima é o dom invulgar de dissecar as inquietações humanas e, também, a crítica mordaz às sociedades viciadas de seu tempo, que tinham por protagonistas burgueses ascendentes e aristocratas em fim de carreira.
Balzac e Turgueniev. |
Sem pretender partir para a crítica literária, poderia
me deter em duas obras desses autores, que nos dão uma ideia precisa de sua
profundidade como romancistas.
Comecemos pelo escritor francês. Dentre tantos os
romances que compõem a “Comédia Humana”,
talvez um dos mais conhecidos seja “Eugênia
Grandet”. Nele Balzac narra a história de uma jovem infeliz, martirizada
pelo pai rigoroso, o sr. Grandet, homem extremamente rico, mas avaro. A pobre
Eugênia vive uma vida de sonhos e desencantos ao se apaixonar perdidamente por
Carlos Grandet, seu primo, filho do sr. Grandet de Paris (que se suicida após
ficar arruinado). O pai de Eugênia nem sonha em ver a filha casada com o
sobrinho, pois o moço, além de parente, não possuía tostão sequer. Assim, o
ardiloso velho sugere a ida do rapaz para as Índias, onde deveria fazer
fortuna. O tempo passa e o sr. Grandet morre. Carlos retorna rico do Oriente,
mas casa-se com uma moça pobre e feia. Eugênia casa-se por conveniência com um
rico magistrado, seu conhecido. Por fim, o esposo morre e Eugênia, mesmo
riquíssima, fica sem ninguém e sem amor, apenas com suas ilusões e com a
companhia de sua fiel criada, a Grande Nanon.
Em “Pais e
Filhos”, Turgueniev conta a odisseia do jovem niilista Bazárov que, ao lado
do amigo Eugênio, de aristocrática família russa, tentam divulgar a sua
corrente filosófica, mas sempre encontram o olhar reprovativo dos mais velhos.
Bazárov, o herói do romance, é um personagem frio, calculista, que age sob os
ditames da razão. Não crê no romantismo, ou melhor, faz tudo para não
demonstrar o seu lado sentimental, apesar de, quase no final do livro,
confessar o seu amor por uma bela aristocrata russa, a única mulher que
conseguira chegar até seu coração gélido e desencantado. Eugênio, o amigo,
casa-se com uma irmã dessa bela nobre. No final, Bazárov, talvez para confirmar
o seu fatalismo, morre de tifo.
Balzac e Turgueniev retratam o homem em
sua eterna busca por algo que satisfaça a sua existência fútil: algo ou alguma coisa
que preencha esse grande vazio que existe dentro de cada um de nós. Num mundo
governando por conceitos hipócritas e egoístas, quem sabe não está mais do que
na hora de tratarmos com mais atenção o próximo que, estando ao nosso lado,
fingimos não ver? É hora de (re)começarmos. Ou continuaremos sempre numa eterna busca.
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