“Poesia é voar
fora das asas.” Nesta frase concisa e surpreendente, o poeta Manoel de Barros
(1916-2014) define a arte mais sublime do espírito humano. Poesia é ver aquilo
que nunca se viu, é fazer o que nunca se fez, é viver o novo, é (re)criar o que
nunca ninguém (re)criou. É transcender aquilo que é aceito como definitivo.
Manoel de Barros. |
Talvez por isso os poetas sejam considerados visionários, alheios à realidade. Na verdade, o que o poeta faz é recriar essa realidade através das palavras, da mesma forma que os pintores recriam, através de suas telas, a realidade vista por seus olhos sensíveis.
Um dos livros que possuo de Manoel de Barros (“O Livro das Ignorãças”) foi comprado na
banca detrás Praça da Basílica de Iguape; é uma daquelas edições encadernadas e
vendidas a preços convidativos que algumas editoras tem a boa fé de publicar de
tempos em tempos. Aliás, livro bom e barato é comigo mesmo.
Vivendo escondido numa bela fazenda em Mato Grosso,
à primeira vista Manoel de Barros parecia um velho fazendeiro. Mas essa
impressão se desfaz quando o pacato recriador das palavras começava a falar da
sua terra, das suas coisas, com toda aquela paixão dos que tem pelo seu torrão
o merecido amor. Não é a toa que os grandes escritores sempre escreveram sobre
a sua terra natal: Joyce sobre Dublin, Dickens sobre Londres, Jorge Amado sobre
Salvador, Balzac sobre Paris, Machado de Assis sobre o Rio de Janeiro.
“Desinventar
objetos. O pente, por exemplo. Dar ao
pente funções
de não pentear. Até que ele fique à
disposição de
ser uma begônia. Ou uma gravanha.
Usar algumas
palavras que ainda não tenham idioma.”
Manoel de Barros escreve sobre a beleza da natureza,
não de Mato Grosso, mas do mundo. Seus poemas tem um cheiro da terra, onde as borboletas
voam fora das asas, onde os ruminantes caminham fora de suas patas, onde
enxergamos tudo fora de nossas vistas, onde o espírito se liberta das
convenções secularmente enraizadas e passam a ver tudo sob um ângulo inédito,
incrivelmente novo e belo.
“No Tratado
das Grandezas do Ínfimo estava escrito:
Poesia é
quando a tarde está competente para dálias.
É quando
Ao lado de um
pardal o dia dorme antes.
Quando o homem
faz sua primeira lagartixa.
É quando um
trevo assume a noite
E um sapo
engole as auroras.”
Esse é Manoel de Barros. O poeta que voa fora das
asas. O recriador da realidade. Um de nossos grandes poetas e, estranhamente, pouco
desconhecido. Esse é o Brasil, onde merecem importância da mídia apenas grupos musicais
de gosto duvidoso. Manoel de Barros está acima disso tudo. Porque um grande
poeta a tudo transcende.
ROBERTO FORTES, escritor e poeta, é
licenciado em Letras e autor do livro de contos “O Tucano de Ouro - Crônicas da
Jureia” (2012), além de centenas de crônicas e artigos publicados na imprensa
do Vale do Ribeira. E-mail:
robertofortes@uol.com.br
(Direitos Reservados. O Autor autoriza a
transcrição total ou parcial deste texto com a devida citação dos créditos).