As
paixões humanas, desde Homero, estimulam a imaginação dos poetas. Guerras,
perfídias, traições, adultérios, amores proibidos: a vida humana sempre foi um
prato cheio para os escritores. Dizem que um autor deve escrever sobre aquilo que
mais conhece, no caso, a própria vida. Não é sem propósito que muitos dos
maiores clássicos da literatura universal são obras inspiradas na própria
vivência do autor. Exemplo notório é “Madame
Bovary”, a devastadora obra que escandalizou a Paris de meados do século
XIX. Seu autor, Gustave Flaubert, vivera na adolescência um tumultuado romance
com uma mulher casada, bem mais velha que ele, e essa relação adúltera muito o
influenciou para a confecção desse que é considerado o maior romance francês de
todos os tempos.
Tolstói
dizia que todo autor deveria escrever sobre a sua vila, a sua cidade, ou seja,
o lugar que ele mais conhece. Balzac escreveu os seus romances tendo Paris como
pano de fundo; Dickens, a esfumaçada Londres durante o auge da Revolução Industrial;
Turgueniev usava a Rússia para os seus romances inquietantes; até mesmo o impenetrável
Joyce, que tinha uma relação mal resolvida com a sua Irlanda, usou Dublin como
pano de fundo para muitos de seus romances e contos. Basta dizer que “Ulisses”, a sua obra máxima, conta a
trajetória, durante vinte e quatro horas, do personagem principal pelas ruas da
cidade. Aqui no Brasil, um dos exemplos mais característicos talvez seja
Machado de Assis, que nunca botou os pés fora do Rio de Janeiro (a não ser uma
ou duas viagens a Teresópolis para tratamento médico). A então capital federal
foi cenário para quase toda a obra do perspicaz “Bruxo do Cosme Velho”.
Falando
em paixões humanas me lembrei de Homero e a sua “Ilíada”. A mais famosa guerra de toda a história começou com o
amor proibido entre Páris, príncipe de Troia, com a bela Helena de Esparta, a
mais bela mulher da Antiguidade, que depois passou a ser conhecida por Helena
de Troia. Bem recebido na corte do rei Menelau, soberano de Esparta, Páris não
perdeu tempo em cortejar a encantadora Helena e levá-la consigo para Troia.
Ofendido em seus brios, Menelau pede auxílio a seu irmão todo-poderoso, rei
Agamênon, senhor de Micenas e suserano de quase todos os reinos da Grécia. Como
lhe era conveniente a conquista de Troia, e não por causa da honra ofendida do
irmão, Agamênon organiza a maior expedição de guerra, com mil navios,
carregando cinquenta mil guerreiros para conquistar e, se preciso fosse,
dizimar a orgulhosa Troia, também conhecida por Ílion.
Vemos
representadas na “Ilíada” todas as
paixões humanas: a cólera de Aquiles, a sabedoria de Príamo, a sedução de
Paris, a beleza de Helena, o orgulho de Heitor, a ganância de Agamênon, a honra
ofendida de Menelau, a astúcia de Ulisses – tudo muito humano, demasiado
humano, como bem poderia dizer Nietzsche. Homero, poeta cuja existência nunca
foi comprovada (muitos o consideram uma criação coletiva), é considerado o
primeiro autor do Ocidente, e conseguiu registrar nos versos da “Ilíada” (que trata de Troia, ou Ílion)
e da “Odisseia” (sobre a volta de
Ulisses, ou Odisseu, à sua Ítaca), toda a grandeza (e baixeza) das paixões
humanas.
Talvez
estejamos precisando, nos dias de hoje, beber nos versos homéricos para que
possamos entender, ou tentar entender, as nossas paixões. Se para tanto Homero
não prestar, pelo menos nos proporcionará uma envolvente leitura, condição
essencial para que valha a pena se abrir um livro.
ROBERTO FORTES, escritor e poeta, é
licenciado em Letras e autor do livro de contos “O Tucano de Ouro - Crônicas da
Jureia” (2012), além de centenas de crônicas e artigos publicados na imprensa
do Vale do Ribeira. E-mail:
robertofortes@uol.com.br
(Direitos Reservados. O Autor autoriza a
transcrição total ou parcial deste texto com a devida citação dos créditos).
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