A
epopeia do fidalgo da Mancha é uma das mais fascinantes obras da literatura
universal. Na saga quixotesca estão estampados os ideais que o homem
infrutiferamente vem buscando há séculos, e que são representados pela figura patética,
mas sem dúvida, sensível, do Cavaleiro da Triste Figura. Cervantes delicia o
leitor com as aventuras picarescas do incrível herói, que, no alto de sua
demência, tenta ressuscitar as glórias dos antigos cavaleiros.
Dom Quixote e Sancho Pança. |
A
excessiva leitura de livros da cavalaria andante secou os miolos do fidalgo
manchego, que tanto se influenciou por essas histórias fantásticas que um belo
dia acreditou ser possível revivê-las. Ao seu rocim, esquálido e lerdo, que ele
julgava puro de raça, deu o nome do Rocinante. Para seu fiel escudeiro,
escolheu um camponês simplório, de inteligência asinina, que, pelo físico
gorduchão, era conhecido por Sancho Pança. E, como todo cavaleiro andante que
se preza precisa ter uma donzela, escolheu uma camponesa desajeitada (para ele
a mais formosa do mundo) dando-lhe o pomposo nome de Dulcineia Del Toboso. Pelo
amor dessa aldeã, protagonizou mirabolantes proezas.
Dom
Quixote, dominado por sua cômica insanidade, jamais duvidou de que pudesse
reviver os ideais cavaleirescos, e qualquer situação era apropriada para dar
vazão a sua demência. A Sancho Pança prometeu que o faria governador de uma
ilha, em retribuição aos seus inestimáveis serviços como escudeiro, promessa da
qual Sancho, em sua ingenuidade, nunca desacreditou e pela qual muitas vezes
arriscou a própria vida nas muitas confusões em que se meteram pelas varias
partes da Mancha (quando pouco teve o corpo todo esfolado por doloridas
pancadas).
A
loucura apaixonante de Dom Quixote, em certos momentos, chega a nos causar
compaixão, principalmente por que os seus adversários (e mesmo os amigos maias
chegados) não o entendem, ridicularizando-o cruelmente. Ficamos então, a nos
perguntar se seria licito titular de louco ao triste fidalgo só porque
idealizou um grande sonho, nele acreditou com todo o ardor e saiu pela Espanha
afora a fim de concretizá-lo? Afinal, a exemplo de Dom Quixote, quem haveria de
ler indiferentemente as incríveis façanhas de uma Amadis de Gaula, de um
Palmerim da Inglaterra ou de um Lancelote do Lago? Ou as aventuras, talvez
reais mais certamente envolvidas em lendas, dos Doze Pares de França, modelos
incontentáveis da cavalaria andante? Quantos não teriam vontade de libertar o
Dom Quixote aprisionado que se encontra dentro de cada um de nós?
O
cavaleiro da Mancha, com toda sua loucura (?), será sempre o símbolo da
esperança por um mundo menos desumano, onde não existam desigualdades e os
homens se respeitem como irmãos.
ROBERTO FORTES, escritor e poeta, é
licenciado em Letras e autor do livro de contos “O Tucano de Ouro - Crônicas da
Jureia” (2012), além de centenas de crônicas e artigos publicados na imprensa
do Vale do Ribeira. E-mail:
robertofortes@uol.com.br
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