Quando um cronista não tem assunto para escrever a sua crônica semanal, vê-se obrigado a gastar tinta com trivialidades, banalidades, que, na verdade, são a própria essência da vida. Dizem os doutos que a quase totalidade de nossas vidas é permeada pela mesmice, existindo pouquíssimos fatos ou acontecimentos que amenizem a nossa mediocridade. Ou seja, somos filhos da rotina, netos da mesmice, bisnetos do repeteco.
O “Eclesiastes”, fonte de fina sabedoria,
reza que tudo o que vivemos, hoje, já foi vivido por nossos ancestrais, e que
tudo não passa de “vaidades das vaidades,
e tudo é vaidade” (“Vanitas
vanitatum, et omnia vanitas”).
Proust, no
seminal (mas tedioso) “Em Busca do Tempo
Perdido”, gastou nada menos que trinta páginas para descrever o ato de o
personagem principal levantar-se da cama. Joyce, em “Ulisses”, “enrolou”, ao longo de 800 páginas, a trajetória do
personagem central, durante 24 horas, pelas ruas de Dublin.
Parece que foi
Borges quem disse que não escreveria um romance se poderia muito bem escrever
um conto; ou seja, para que “enrolar” ao longo de centenas de páginas aquilo
que poderia ser dito (e escrito) em, no máximo, cem páginas?
Dalton Trevisan,
o “Vampiro de Curitiba”, em pouquíssimas linhas, escreve sobre as trivialidades
de suas personagens, em minicontos, ou mesmo microcontos, que, por menores que
sejam, não deixam de nos impressionar.
Alguns críticos,
ferinamente (ou despeitadamente), dizem que o romance “O Alquimista”, de Paulo Coelho, daria um excelente conto. Espichado
para duas centenas de páginas, teria perdido o seu encanto. Tenho quase todos
os livros de Coelho (que comprei, numa promoção, em banca de jornal) e, se não
li todos, ao menos gostei de um deles, “Onze
Minutos”, uma boa história, muito bem conduzida. Agora, “Diário de um mago”, “Brida” ou “O Demônio e a Srta. Pimm”, não consegui passar dos primeiros
capítulos.
Bem, não sejamos
tão trágicos. Nem sempre os contos são tão bons quanto os romances; e a
recíproca é verdadeira. O menor conto do mundo, atribuído a Augusto Monterroso,
não é nenhuma obra-prima: “Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá”.
Agora, podemos
perceber toda a tragédia que transborda deste miniconto de Hemingway:
“Vendem-se: sapatos de bebê, sem uso”. Ou deste de Dalton Trevisan: “Ao ver o pacote
de bala azedinha na mão da mulher:/ – Assim não há
dinheiro que chegue./ E um pontapé na traseira do piá de três aninhos”.
Também já escrevi vários minicontos, que
por respeito ao estômago do prezado leitor, prefiro deixar muito bem guardados
dentro da gaveta de minha escrivaninha. Um deles é este: “No envelope perfumado
que o carteiro enfiou debaixo da porta, reconheceu a caligrafia que ela tentou
falsificar”.
E também este, que já fez parte de
antologia literária virtual, intitulado “O eu no espelho”: “Seria mais um dia
como tantos outros. Mas aquele dia não foi como os outros. Ao acordar, sentiu
que algo diferente estava se passando com ele. Saltou da cama, correu até o
espelho. Ficou petrificado. Já não era mais ele. Estava agora dentro do
espelho. E de dentro do espelho observava o outro que acabara de saltar da cama
e plantar-se atônito diante do espelho”.
Rascunhei, ainda, outros contos (ou
aspirantes a contos), que não passaram das primeiras linhas, quer por falta de
inspiração, ou mesmo por uma bem-vinda autocrítica, que não permitiu o término
de textos tão mal escritos.
Bem, muitas vezes, para enchermos o espaço que nos cabe no jornal, somos obrigados a divagar sobre trivialidades, até o dia em que o leitor, já cansado de “enrolações”, simplesmente pula a nossa crônica e passa a ler, com mais prazer, a seção de editais. É o preço a pagar quando não temos a habilidade no manejo da pena, e, ainda assim, insistimos em buscar a benevolência do leitor.
ROBERTO FORTES, escritor e poeta, é licenciado em Letras e autor do livro de contos “O Tucano de Ouro - Crônicas da Jureia” (2012), além de centenas de crônicas e artigos publicados na imprensa do Vale do Ribeira. E-mail: robertofortes@uol.com.br
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