O leitor por certo já ouviu
falar em José Saramago (1922-2010), um dos principais escritores da língua
portuguesa. Dono de uma prosa vigorosa, às vezes árida, outras vezes
filosóficas, mas sempre envolvente, Saramago criou algumas preciosidades da
literatura universal. Como não sou crítico literário, não pretendo escrever aqui
um ensaio geral sobre a sua obra, mesmo porque não tenho o necessário aparato
intelectual, nem o devido conhecimento de seus romances. Possuo em minha estante
apenas quatro obras do autor: “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”, “O
Ano da Morte de Ricardo Reis”, “História do Cerco de Lisboa” e “Todos
os Nomes”.
José Saramago. |
Comentarei este último. A história é aparentemente banal: um medíocre auxiliar de escrita de um Cartório de Registro Civil (chamado de Conservatória Geral) pega, por descuido, um processo de nascimento de uma determinada mulher, para ele totalmente desconhecida. O Sr. José – esse é o nome do nosso medíocre auxiliar de escrita – que tinha por hobby colecionar recortes de jornais de pessoas famosas da sua cidade, fica impressionado com essa mulher desconhecida e, para tentar localizá-la, comete alguns deslizes de conduta, como, por exemplo, entrar na Conservatória à noite para realizar as suas pesquisas, convivendo com a poeira e as teias-de-aranha das prateleiras seculares, bem como com as sombras e os medos que um lugar desses, ainda mais de noite, pode provocar no espírito de uma pessoa normal.
A partir daí, chega até
mesmo a faltar ao trabalho – justo ele, funcionário exemplar e metódico – para
sair pela cidade à procura de pistas da mulher desconhecida. Arromba a janela
da escola onde a garota estudara, furta os seus fichários, procura uma vizinha
que apadrinhou a menina, fica sabendo que essa vizinha tivera um romance com o
pai da garota. Aos poucos, vai juntando os diversos cacos que representam
flashs da vida dessa desconhecida. A sua conduta começa a despertar suspeitas,
principalmente do senhor conservador, o austero e soberbo chefe da
Conservatória Geral, despertando, inclusive, a inveja e o ciúme dos vários
subchefes aos quais o nosso medíocre auxiliar de escrita está subordinado.
Por fim, o Sr. José tem uma
notícia inesperada: a sua mulher desconhecida – agora não tão desconhecida assim –, por desconhecido motivo, se
suicidara. Tal notícia provoca uma grande frustração em nosso personagem. E
agora, o que será de sua vida? Como preencherá os medíocres momentos de sua
medíocre existência, sem mais se dedicar à pesquisa da vida da mulher
desconhecida? Sente o seu medíocre mundo desabar por terra, mas ainda encontra
forças para tentar saber mais sobre a mulher. Por que se suicidara? Fora feliz
em seu casamento? O que ela pensava da vida?
Procura os pais da mulher,
a mãe lhe entrega as chaves do apartamento onde ela vivera depois do divórcio,
ele vai lá, olha as suas coisas, mas nada encontra de substancial que possa lhe
revelar maiores detalhes sobre a sua mulher desconhecida. Vai ao Cemitério
Geral da cidade, curiosamente chamado de “Todos os Nomes”, encontra, depois
de andar por quilômetros, o túmulo da mulher desconhecida, inserido nesse
grande labirinto borgeano que é o cemitério, encontra um misterioso pastor de
cabras, que lhe confessa que trocava diariamente as placas dos túmulos dos
suicidas, para que ninguém mais soubesse quem era quem.
Ao final, de volta à sua
medíocre casa, que na verdade é um anexo da Conservatória Geral, dá de cara com
o senhor conservador, que lhe confessa que sabia de toda a história e que
deveriam, a partir dali, esquecer tudo, colocar o processo da mulher
desconhecida de volta ao setor dos vivos, como se ela nunca tivesse morrido.
Repleto de parábolas e
alegorias, José Saramago traça, em “Todos os Nomes”, um delicioso painel
da mediocridade humana, fazendo jus ao Nobel ganho em 1998. Quero ver se arrumo
um tempinho para iniciar a leitura da “História do Cerco de Lisboa”,
que, pelas páginas que já folheei, também promete ser interessante.
ROBERTO FORTES, escritor e poeta, é
licenciado em Letras e autor do livro de contos “O Tucano de Ouro - Crônicas da
Jureia” (2012), além de centenas de crônicas e artigos publicados na imprensa
do Vale do Ribeira. E-mail:
robertofortes@uol.com.br
(Direitos Reservados. O Autor autoriza a
transcrição total ou parcial deste texto com a devida citação dos créditos).
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