Ludovico Luigi Franco Sarcinella nasceu em São Paulo, no Bexiga, em 5 de agosto de 1931, filho do casal de imigrantes italianos Giovanni Maria Sarcinella e Carmelina Lavieri Sarcinella. Teve uma infância feliz ao lado de seus pais e da irmã Maria Carolina (Mary), hoje com 93 anos.
Ludovico em seu ateliê. |
Desde cedo aflorou o seu dom para as artes plásticas, recebendo o conselho de sua mãe para que não seguisse essa profissão pois "pintura não dava dinheiro". Contrariando todas as expectativas em contrário, Ludovico seguiu em frente com o seu sonho. Fez os seus estudos na Capital do Estado.
Em 12 de maio de 1959, casou-se com a professora Lúcia Liberalli Sarcinella, de cuja duradoura união de 61 anos nasceram os filhos Gino Marco, Sabrina, Fabíola e Carlos Adriano. Deixou 5 netos e 2 bisnetos.
Ludovico e Lúcia chegaram a Iguape em 1960 e se encantaram com as belezas e tradições da velha terra do Bom Jesus. Ele já era um pintor de reconhecido talento – a pintura o acompanhava desde os tempos de moleque, como costumava dizer.
Ao longo de sua vida, foi fazendeiro e trabalhou com imóveis e vinhos. “O artista tem que se dedicar a outras atividades”, dizia.
O HOMEM PÚBLICO
Em Iguape, foi suplente de vereador na legislatura 1964-1969, durante o governo de Carlos Fausto Ribeiro, tendo assumido a vereança em algumas sessões da Câmara Municipal.
Em 1969, foi convidado pelo então prefeito José Costa para assumir a Secretaria de Turismo, o que aceitou com muita vontade e disposição. Como primeiro trabalho, organizou a formação da Guarda Mirim, contando com a ajuda a CESP (Companhia Energética de São Paulo) para elaborar o estatuto, e com o apoio de seu primeiro presidente, Dr. José Gaspar Gonzaga Francischini, juiz de direito da Comarca de Iguape.
Em certa ocasião, Ludovico recebeu a visita do secretário estadual de Turismo, Dr. Orlando Zancaner, seu grande amigo desde a época em que frequentavam o "Ponto Chic" do Largo Paissandu, na Capital do Estado. Atendendo a pedido de Ludovico, o secretário autorizou o funcionamento direto da travessia do ferryboat para a Ilha Comprida, pois até então só havia três horários.
Outro fato marcante foi a visita ao Vale do Ribeira da operação ACISO (Ações Cívico Sociais) do Exército Brasileiro. Primeiramente, Ludovico providenciou acomodações e refeições aos visitantes, e também local seguro para aterrissar o avião, no Campo de Aviação do Rocio. Chegou, então, um pequeno avião Cessna, da Aeronáutica, trazendo como passageiro o coronel Antônio Lepiani, que entrou em contato com as autoridades locais (prefeito, delegado, tenente da Marinha e autoridade religiosa). Dias depois, chegaram os soldados, que ficaram acampados no largo onde hoje é a Escola Estadual Coronel Jeremias Junior (antigo CENE), e desenvolveram várias atividades sociais e na área da saúde. Médicos, dentistas e veterinários atenderam os iguapenses e divertiram as crianças com atividades educativas, havendo, inclusive, uma missa campal celebrada pelo capelão do Exército.
O MUSEU MUNICIPAL
Nessa
época, Ludovico deu os primeiros passos para a fundação do Museu de Iguape,
inicialmente instalado numa sala da Prefeitura Municipal, empreitada hercúlea
realizada graças ao indispensável empenho do artista e pesquisador Roberto
Gomes Colaço. O efêmero Instituto Histórico e Geográfico de Iguape, fundado em
15 de novembro de 1964, mantinha fechada a sua sede, que ficava no prédio da
antiga Casa de Fundição do Ouro, que também serviu no passado de quartel e
cadeia. Ludovico solicitou que entregassem as chaves do prédio (de propriedade
da União e doado ao Instituto Histórico pelo Decreto nº 58.674, de 20 de junho
de 1966) para ali ser instalado o Museu de Iguape, porém não foi atendido.
Então, pediu a ajuda do coronel Antônio Lepiani, comandante daquela operação
militar, e, de imediato, as chaves do imóvel foram entregues aos cuidados da
Prefeitura. Assim, foi iniciada a transferência do nascente Museu de Iguape
para o atual prédio. Ludovico encarregou Roberto Colaço para ser o diretor.
O ARTISTA
Autorretrato do autor |
Ludovico executava a sua arte em tela e madeira. Bastante conhecido nos meios artísticos nacionais, expôs em várias cidades brasileiras. Seu estilo é o primitivismo – a chamada pintura primitiva ou naif. Retratou em seus trabalhos a simplicidade de paisagens, casas, festas, telhados, igrejas, mulheres.
O artista pintava rapidamente, não fazia esboços. Pegava uma tela em branco e, em questão de horas, pintava cenas, figuras, pessoas, animais, enfim, o que lhe viesse à mente. Nas paredes de sua antiga casa na rua da Saudade, em Iguape, havia uma exposição permanente de suas obras.
Em
1973, Ludovico mudou-se com a família para Capivari (SP). Retornaria a Iguape
onze anos depois, em 1984, ficando algum tempo na Ilha Comprida e, em seguida,
retornando à sua querida Iguape.
A esposa Lúcia se dividia entre as cidades de Piracicaba –, onde foi professora de português na UNIMEP (Universidade Metodista de Piracicaba), em cuja instituição de ensino se aposentou –, e Iguape, sendo a fã número um do artista.
O ESCRITOR
Capas dos livros de Ludovico. |
Fascinado pelas lendas e pela história iguapenses, Ludovico resolveu transportar esse folclore para as telas. Daí nasceu o livro “Contos e Lendas de Iguape” (Copagraf, São Paulo, 1997), onde o texto de sua filha Fabíola recebeu as encantadoras ilustrações do artista, que enfocaram as lendas da cidade, como o Cavalo Branco do Valo Grande, o Tucano de Ouro, a Carruagem do Largo da Matriz, o Choro de Pagãos, o Boy-Coara, a Fonte da Saudade e outras páginas importantes do lendário local.
Ludovico publicou também os romances “A cadeira e o livreto” (Editora Eme, Capivari, 2007) e “O livreto do Figueiroa” (Editora Eme, Capivari, 2010). Deixou ainda um livro pronto sobre a sua artista predileta, Tarsila do Amaral, nascida em Capivari.
CIDADÃO IGUAPENSE
Em 3 de dezembro de 2000, Ludovico foi agraciado pela Câmara Municipal de Iguape com o merecido título de “Cidadão Iguapense”. Era o reconhecimento da cidade, que ele adotou como sua, ao talento do consagrado artista. Muito antes de ganhar esse título, Ludovico, cheio de orgulho, sempre dizia: “Sou cidadão iguapense!”.
Foi assíduo colaborador da “Tribuna de Iguape”, publicando crônicas sobre variados assuntos, em especial as recordações do tempo em que morou na cidade, resgatando muitas histórias recheadas de bom humor.
Após se mudar definitivamente para Capivari em 2003, como fiel leitor e assinante, aguardava todos os meses o seu exemplar mensal da "Tribuna de Iguape". Com frequência, telefonava ao nosso editor para bater um papo ou saber das novidades da sua cidade do coração.
Faleceu
em 16 de setembro de 2020, aos 89 anos, na cidade de Capivari (SP), onde
residia.
ROBERTO FORTES, historiador e jornalista, é licenciado em Letras e sócio do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. E-mail: robertofortes@uol.com.br
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