Minhas amadas máquinas de escrever

Desde que adquiri o meu primeiro computador pessoal (e lá se vão vinte e sete anos!), não consigo imaginar como seria a minha vida sem ele. É difícil, hoje, acreditar que durante toda a minha existência escrevi os meus textos dedilhando uma velha máquina de escrever.

Minhas amadas máquinas de escrever


Aprendi datilografia aos dez anos. Lá pelos 12, ganhei de meu avô a minha primeira máquina de escrever: uma velha e bojuda Remington, possivelmente dos anos 1940 ou 1950. Nela me iniciei nos caminhos da escrita; nela datilografei meus primeiros escritos, minhas primeiras crônicas para a imprensa regional, meus primeiros poemas e contos. 

Aos 18 anos, ganhei de minha madrinha uma portátil Olympia Lettera, uma verdadeira belezura, a qual só utilizava para datilografar trabalhos que julgava importantíssimos. 

Apesar de tudo, a minha devoção pela velha Remington continuava. Em seu velho teclado, dedilhava como que sinfonias, linhas simétricas se formavam do nada e, quando menos esperava, eis ali um texto pronto e acabado! Aí, então, decidia o destino que teria. Publicaria em A Tribuna do Ribeira ou mandaria, como colaboração, para O Estado de S. Paulo? 

Também publiquei incontáveis trabalhos nos valorosos Jornal de Iguape e Correio de Iguape. E, ainda, no Correio do Vale, A Comarca (de Miracatu), O Vale, Notícias do Vale, Na Hora, Notícias do Vale, Jornal Regional etc. Enfim, quase toda a imprensa regional publicou os meus escritos, datilografados nas fiéis Remington/Olympia. 

E as poesias? Bem, essas iam direto para a pasta de guardados e, depois, para a estante, onde se encontram até hoje, salvo raras exceções que conseguiram alcançar as páginas dos jornais e das antologias poéticas. Destino igual tiveram os numerosos contos. Certo, a crônica semanal na imprensa nunca faltou. A crônica tem o poder de me fascinar: é impossível viver sem escrevê-las. Eis o sublime mistério da escrita.

Finalmente, comprei o meu primeiro computador, um “avançadíssimo” 386 DX 40, de 120 MB. Um verdadeiro espetáculo, na época. Depois virou uma carroça, motivo de chacota. Nele (re)digitei todos os meus principais trabalhos. Durante anos foi o meu fiel companheiro. Nem sei que fim levou; deve ter sido jogado no lixo. 

A velha Remington e a nem tanto Olympia ainda merecem alguma atenção de minha parte. Quanto bate a saudade, não resisto à tentação de dedilhar os seus teclados, fazer rolar o papel sulfite em seu carro, acertar as margens e... tec, tec, tec! 

Quando o meu velho micro pifou muitos anos atrás, foi na Olympia que datilografei a minha crônica sobre o desabamento da capela de Ivaporunduva (Jornal Regional, nº 268, de 28/8/1998). Após anos injustamente esquecida na prateleira, a fiel máquina deve ter ficado feliz ao constatar que eu não a deserdara totalmente. Prometi que qualquer dia também darei essa alegria à velha Remington...

É difícil acreditar que, até a segunda metade do século XIX, tudo era escrito à mão, a bico de pena. É claro que, depois de prontos, esses manuscritos iam direto para as tipografias e viraram livros, aqueles livros bojudos, com grossas capas de couro e com lombadas escritas em letras douradas. Com a invenção da máquina de escrever, houve uma revolução na arte da escrita: as velhas penas foram substituídas pelos teclados das “modernas” máquinas datilográficas.

O que poucos sabem é que o inventor da máquina de escrever foi um brasileiro. Não estou blefando, caríssimo leitor. O padre paraibano Francisco João de Azevedo inventou uma máquina de escrever, feita de madeira, lá pelos idos de 1861. Mas o esforçado padre, inventor nas horas vagas, não conseguiu desenvolver o projeto, muito menos patenteá-lo. 

O invento foi alvo de zombaria. Só que algum americano esperto levou a ideia para a América e, doze anos depois de inventada no Brasil, era patenteada a “primeira” máquina de escrever, produzida em escala industrial. Seus “inventores” ganharam rios de dinheiro.

Nenhum livro no mundo cita o nome de padre Francisco João de Azevedo. Sua invenção é considerada cem por cento norte-americana. O próprio Brasil ignora a paternidade tupiniquim da máquina de escrever. Coisas de um país que pouco valor dá à sua memória.


ROBERTO FORTES
ROBERTO FORTES, escritor e poeta, é licenciado em Letras e autor do livro de contos “O Tucano de Ouro - Crônicas da Jureia” (2012), além de centenas de crônicas e artigos publicados na imprensa do Vale do Ribeira.  E-mail: robertofortes@uol.com.br

(Direitos Reservados. O Autor autoriza a transcrição total ou parcial deste texto com a devida citação dos créditos). 

Confira todas as crônicas do Alfarrábios





Postagem Anterior Próxima Postagem