Quando
pensamos na figura de um homem atormentado vem-nos à mente, invariavelmente, o
escritor russo Fiódor Dostoiévski (1821-1881). Autor de obras-primas da
literatura universal – cito apenas “Crime
e Castigo”, a minha preferida, apesar de todos os seus romances serem
impecáveis –, Dostoiévski teve uma vida mais cheia de baixos do que de altos.
Fiódor Dostoiévski. |
Na
literatura, ainda em vida, obteve a consagração. Na vida íntima, o seu primeiro
casamento foi um fracasso. Libertário, amargou anos de exílio na Sibéria, entre
1849 a 1854, de cuja experiência sofrida resultou o autobiográfico “Recordações da Casa dos Mortos”.
Partidário do círculo Petrashevski, grupo de intelectuais liberais que lutava
contra o regime opressor do czar Nicolau I, quando estava encerrado na
Fortaleza Pedro e Paulo, ainda em São Petersburgo, Dostoiévski escreveu uma
“Explicação” para a sua prisão:
“Mas de que sou
acusado? Evidentemente de ter falado em política, no Ocidente, na censura etc.
Mas quem não falou e não pensou nesses assuntos em nossa época? Por que
estudei, por que o conhecimento despertou minha curiosidade, se não tenho o
direito de expressar minha opinião?”
Antes
de serem enviados à Sibéria, Dostoiévski e os seus companheiros tiveram que
passar por uma simulação de fuzilamento. Foram todos colocados em posição, mas
na hora do “fogo”, não houve nenhum tiro. Foi uma maneira de o czar humilhá-los
ainda mais e demonstrar uma duvidosa “clemência”. Momentos antes, Dostoiévski (um
cristão sincero, mas hesitante) disse ao seu amigo Nikolay Speshnev: “Estaremos em Cristo”. Seu amigo, ateu
convicto, respondeu: “Acabaremos como um
punhado de pó”.
Quando
ainda prestava serviços no 7º Batalhão, na Fortaleza de Semipalatinski, no
Cazaquistão, escreveu uma carta para sua amiga Natalya Fonvizinha, onde
testifica sua crença em Cristo e fala de seu “Credo”:
“Digo-lhe que sou um filho do século, um filho
da descrença e da dúvida. Sou isso hoje (e sei disso), assim serei até o
túmulo. Quanta terrível tortura esta sede de fé me custou e me custa ainda
agora, tornando-se ainda mais forte em minha alma quanto mais argumentos
descubro contra ela. No entanto, às vezes Deus envia-me momentos em que me
sinto totalmente calmo; nesses momentos, amo e sinto-me amado por outros e é nesses
momentos que moldei para mim um Credo onde tudo é claro e sagrado para mim.
Este Credo é muito simples, ei-lo: acreditar que nada é mais belo, profundo,
solidário, razoável, viril e mais perfeito do que Cristo; e digo a mim mesmo
com um amor ciumento não só que não há nada, mas que não pode haver nada. Mais
ainda, se alguém me provasse que Cristo está fora da verdade, e que, na
realidade, a verdade está fora de Cristo, então eu preferiria permanecer com
Cristo do que com a verdade.”
Palavras
de Dostoiévski.
ROBERTO FORTES, escritor e poeta, é licenciado em Letras e autor do livro de contos “O Tucano de Ouro - Crônicas da Jureia” (2012), além de centenas de crônicas e artigos publicados na imprensa do Vale do Ribeira. E-mail: robertofortes@uol.com.br
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