O vento bate forte na vidraça, enquanto ele observa as folhas secas que revoam lá fora. Não tinha coragem de abrir a janela e respirar o ar que soprava no quintal. Dali a pouco começaria a chover e ele voltaria para a cama, pois detestava chuva, ainda mais num domingo como aquele.
Durante
duas horas ficou esperando pelos primeiros pingos, e parece que nisso
concentrou a sua atenção; mas a chuva não vinha. Não se irritou como das outras
vezes; apenas se deixou ficar parado olhando pela vidraça, acompanhando as
folhas que rodopiavam lá fora num torvelinho monótono.
O
telefone toca e do outro lado ele escuta a voz dela. Desligou o aparelho na
hora. Sente muita raiva, mas logo se acalma e torna a olhar para a janela, de
onde escorriam alguns pingos. Percebe que as gotas pareciam formar uma imagem
de mulher na vidraça (seria capaz de jurar que era a figura dela). Abre a
janela e esfrega um pano pelo lado de fora para apagar aquela imagem incômoda.
O calor de seu hálito embaçou a vidraça por dentro.
Lembrou-se
que naquele dia prometera visitar um amigo. Precisavam colocar em ordem as
últimas conversas, ainda mais porque o amigo telefonara perguntando que fim
levara aquela mulher. Só mesmo o bom companheiro para fazê-lo achar graça
daquela situação. Bonachão inveterado, o amigo era capaz de transformar em
piada até mesmo a mais horrível das tragédias. Combinou encontrá-lo à tarde.
Contou
ao amigo o que estava acontecendo. O amigo sugere que o casal deveria se
reconciliar. Ele responde que com ela isso seria impossível. O amigo, então, descarta
a reconciliação e diz que o melhor mesmo era trocar de telefone. Foi o que ele
fez. Nunca mais recebeu ligação dela.
Naquele
momento, estava deitado no sofá, assistindo a um filme no vídeo. Dois leves
toques na porta o tiraram daquela ociosidade. Deixou que batessem mais. Não
estava com vontade de atender. Talvez o visitante indesejável desistisse. Mais
dois toques, e ele ainda deitado no sofá.
Olha
para a janela, onde alguns pingos escorriam lentamente. Outro dia de
chuvisqueiro típico de verão. Notou que, novamente, os pingos pareciam formar
uma imagem feminina na vidraça. Dessa vez, não foi apagá-la.
Quando
os toques se intensificaram a tal ponto que começaram a irritá-lo, saltou do
sofá e caminhou nervosamente até a porta, a face transtornada.
–
Mas que...
Não
completou a frase. Do lado de fora, encharcada da cabeça aos pés, com pingos da
chuva escorrendo displicentemente pelo rosto, ele deu de cara com ela.
Na
vidraça, outros pingos haviam deformado a imagem de mulher.
ROBERTO FORTES, escritor e poeta, é licenciado em Letras e autor do livro de contos “O Tucano de Ouro - Crônicas da Jureia” (2012), além de centenas de crônicas e artigos publicados na imprensa do Vale do Ribeira. E-mail: robertofortes@uol.com.br
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