Entre dois mundos


Você já entrou num banheiro público e se deparou que a última pessoa ao usá-lo não deu a descarga?

Entre dois mundos



Dia desses, numa cidade qualquer uma mulher observa o trânsito dos carros. Logo se dá conta de que diante da faixa de pedestre os carros param (não é que deveriam parar, mas que seus motoristas realmente diminuem a velocidade e chegam a parar diante de uma pessoa que esteja atravessando a rua).

Vamos imaginar que essa mulher se chame ‘Sofia’. Ela mora na cidade de Registro localizada no Estado de São Paulo (Vale do Ribeira). Lá dizem que o trânsito é um dos poucos lugares no Brasil em que as pessoas que dirigem seus carros ou motos realmente param e respeitam as pessoas que estão atravessando a rua ‘a pé. (Quando me mudei para Registro anos atrás ouvia muito dessas histórias de que o pedestre era respeitado como regra cultural da cidade nas leis do trânsito).

Sofia costuma caminhar pela cidade quando necessita realizar uma atividade. Ir ao banco, passar pelo supermercado ou cuidar de um familiar que tem mais idade do que ela e não pode sair de casa por conta do momento da pandemia. Como mora bastante afastada do centro da cidade às vezes precisa utilizar um banheiro público (na rodoviária, posto de saúde ou praças, se é que tem praça com banheiro público). Sofia costuma se impressionar com a falta de “empatia” de quem utilizou o banheiro antes dela. Às vezes ela prefere se segurar até chegar em sua casa porque não conseguiria urinar naquele vaso sanitário.

Deixando a experiência de Sofia de lado (logo mais voltaremos para saber o que ela “acha” de tudo isso) você, caro leitor, sabe o que significa a palavra “empatia”?

No Dicionário Aurélio, “empatia” significa "a capacidade psicológica para se identificar com o eu do outro, conseguindo sentir o mesmo que este nas situações e circunstâncias por esse outro vivenciadas. Ato de se colocar no lugar do outro".

Por tanto seria fácil de imaginar que nas situações em que a nossa personagem vivencia em sua rotina os motoristas de trânsito teriam certa “empatia” pelos pedestres que atravessam a rua e que no outro exemplo as pessoas que utilizariam o banheiro público antes dela não teriam tanta “fraternidade” assim pelas outras pessoas que viriam após sua utilização. Será que analisar essas duas situações dessa maneira seria suficiente? Minha resposta é sim e não. Explico.

No caso do motorista de trânsito que pararia diante do pedestre poderíamos imaginar que o ambiente “público” organizaria toda a situação para que o motorista se sinta pressionado a parar diante da pessoa que quer atravessar a rua. Ou seja, o motorista não seria tão empático assim com o pedestre. O que o força a parar diante da faixa é um certo “olhar público” que serviria de cobrança para que ele respeitasse as leis do trânsito – e não só, no caso de Registro talvez a cultura local da cidade, por conta da educação dos japoneses que possa ter influenciado a comunidade local no respeito da travessia do pedestre).

Já o sujeito que utilizaria o banheiro público o ambiente “particular” estaria livre dos olhares do público. O que lhe resta para puxar a descarga, entre outras coisas seria a empatia pelo outro que utilizará depois de mim. Se não tenho leis que me regem (a não ser minha própria consciência pela limpeza e assiduidade pelas regras de convívio social) e se ninguém estaria me olhando dentro do banheiro público posso sair de fininho e deixar com que o outro “se vire” após meu uso.

A questão não me parece tão fácil assim de resolver. O leitor pode se questionar “mas como teria empatia por alguém que nem conheço pessoalmente?” no caso o outro que virá após a minha “não descarga”. No trânsito posso respeitar a regra sem mesmo conhecer àquele que está atravessando a rua. Como isso acontece? Deixo a vocês tais respostas.

De toda forma voltemos a nossa personagem.

Sofia, desconfiada de tanta disponibilidade do motorista no cuidado com as leis do trânsito, mas muito irritada por não conseguir utilizar o banheiro público talvez chegue a pensar que o ser humano tenha dois lados, duas “personalidades”. Uma que se apresentaria no laço social e outra que se esconderia nos porões da visibilidade oculta.



Daniel Vicente da Silva - Psicanalista, Membro Associado do Núcleo de Estudos em Psicanálise de Sorocaba e Região - NEPS-R.

E-mail: danielvicente_@hotmail.com

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