Há exatamente cem anos nascia no Vale do Ribeira um artista plástico consagrado no Brasil e no mundo: Paulo de Moraes Chaves. Nascido em Iguape no dia 26 de agosto de 1921, foram seus pais Antônio Marcello Chaves e dona Clementina de Moraes Chaves. Seu pai, conceituado comerciante, mais conhecido por Seu Chaves, foi proprietário do Bar Chaves, muito conhecido à época, situado na Praça da Basílica, que ficava no antigo prédio ao lado do sobrado onde funcionou o Banco Bradesco; foi também vice-prefeito de Iguape, na gestão do prefeito Acylino Sérvulo da Cunha (1925-1928).
Paulo Chaves, em 1981. |
O BAR CHAVES
O Bar Chaves era o maior e melhor da
cidade, em seu tempo. Refinado, possuía três portas, balcão comprido com tampo
de mármore, mesas também cobertas de mármore, chopeira, vidros de rebuçados e
chocolates, uma longa fila de garrafas com batidas diversas, bebidas nacionais
e estrangeiras. Servia também bebidas bem geladas e sanduíches de queijo com
pão de forma. Como se dizia na época: “Era um bar pra ninguém botar reparo!”. Seu Chaves adquiriu um vistoso assobradado
na rua XV de Novembro, nº 396, que em 1944 foi
adquirido pelo comerciante e
industrial da pesca Gasparino Costa e onde, de 2000 a 2008, funcionou a redação
da Tribuna de Iguape.
Certa vez, Seu Chaves inovou e colocou na fachada
de seu bar o primeiro luminoso da cidade. As lâmpadas eram intermitentes, com o
seguinte letreiro: “Bar Chaves – Bebidas
Nacionais e Estrangeiras”. Foi um acontecimento para a pacata localidade!
Os iguapenses mais simples não conseguiam entender como aquelas lâmpadas
acendiam e apagavam ininterruptamente. Até que um homem humilde, já “calibrado”
pela aguardente Cristiano, num
pequeno bar nos Quatro Cantos,
comentou com outro amigo:
– Você sabia que o Seu Chaves é o homem mais
rico de Iguape? – Ao que o outro respondeu:
– Não sei, não. Ele é muito rico? – E o
primeiro, já “chalado”, completou:
– Ele é tão rico que paga um empregado só
para ficar a noite inteira acendendo e apagando as lâmpadas que ele pôs na
porta do bar...
OS PRIMEIROS ESTUDOS
Paulo Chaves fez
o curso primário, no tradicional Grupo Escolar “Vaz Caminha”, e o preparatório
para o ensino médio no Colégio Senhor Bom Jesus de Iguape. Em 1939, sua família
se mudou para Santo André, onde ele terminou seus estudos, além de iniciar-se
na pintura, sob orientação dos professores Ary Saponara e Waldemar Kurt
Freysleben. A partir dessas primeiras lições, participou do I Salão de Belas
Artes do Município de Santo André, em dezembro de 1947, com três telas
retratando paisagens do Vale do Ribeira.
Em 1954, Paulo
Chaves foi para a Europa estudar Pintura e História da Arte, ocupando um ateliê
na Cidade Universitária de Paris. Nessa oportunidade, visitou os museus da
França, Alemanha, Bélgica, Holanda, Suíça, Itália, Espanha e Portugal. Essa
experiência, além de aprofundar seu conhecimento nas artes plásticas, marca sua
adesão ao Abstracionismo, a arte não objetiva. De volta ao Brasil, iniciou uma
brilhante carreira artística, participando não só das grandes exposições de
pintura, como das atividades correlatas do mundo artístico.
AS EXPOSIÇÕES
Tela “Bachiana”, Galeria Paulo Prado, 1984. |
A partir de
1956, Paulo Chaves tomou parte nas mais importantes mostras brasileiras de
arte, como a Bienal Internacional de São Paulo, o Salão Paulista e o Salão
Nacional de Arte Moderna. Nas várias exposições que fez no Salão Paulista de
Arte Moderna, foi agraciado com a Medalha de Bronze (1956), de Prata (1960), Pequena
Medalha de Ouro (1966), a Grande Medalha de Ouro (1967) e o Prêmio Aquisição
(1963). No Salão de Santo André recebeu, em 1961, o Grande Prêmio Prefeitura Municipal
e, em 1968, teve sala especial no I Salão de Arte Contemporânea daquela cidade.
No VI Salão de Arte de Santos (1959), recebeu a Grande Medalha de Ouro.
Realizou exposições individuais no Rio de Janeiro, Campinas, São Caetano do
Sul, Joinville e em várias galerias de São Paulo, como Folhas, La Ruche, F. Domingo,
Astréia, Documenta, Paulo Prado e Tema Arte Contemporânea.
Nos Estados
Unidos, expôs em Nova York, São Francisco, Pasadena e Pomona; na Europa, em
Barcelona, Bruxelas; na América do Sul, em Buenos Aires. Como convidado das
Exposições de Arte Brasil-Japão, expôs em Tóquio, Atami, Quioto, Brasília e São
Paulo.
Em 1964,
durante uma permanência de alguns meses nos Estados Unidos, teve oportunidade
de realizar uma palestra sobre a Arte Brasileira, na Universidade de Nova York,
a convite do professor Cassiano Nunes.
Em 1979,
chefiou a delegação brasileira que participou do IX Congresso da Associação
Internacional dos Artistas Plásticos, em Stuttgart, Alemanha, sob o patrocínio
da Unesco. Na sessão solene de encerramento do Congresso, foi escolhido para
falar em nome das delegações latino-americanas.
As pinturas de
Paulo Chaves fazem parte do acervo de vários museus brasileiros, como o Museu
de Arte de São Paulo, Museu de Arte Brasileira (FAAP), Museu de Arte Moderna e
Museus de Arte de Campinas, São José do Rio Preto, Penápolis, Joinville,
Florianópolis, além das pinacotecas de São Bernardo do Campo, Santo André e São
Caetano do Sul. No exterior, suas obras fazem parte do Museu de Arte de La Paz.
Em razão de
sua extensa obra e grande atuação no mundo artístico, teve seu nome registrado
na Nova Enciclopédia Delta-Larousse,
no Dicionário de Artes Plásticas no
Brasil, de Roberto Pontual; no Dicionário
Brasileiro de Artistas Plásticos, de Carlos Cavalcanti; Artes Plásticas no Brasil, de Júlio
Louzada; Profile of New Brazilian Art, de Pietro Maria Bardi; História Geral da Arte no Brasil, de
Walter Zanini; e do Dictionnaire dês
Peintres, Sculpteurs, Dessinateurs et Graveurs, de E. Bénézit, Ed. Gründ,
Paris.
A ACLAMAÇÃO DA CRÍTICA
Os críticos de arte sempre foram unânimes quanto à qualidade do trabalho de
Paulo Chaves. Na revista Manchete, de
14/11/1981, escreveu Flávio de Aquino: “Trata-se
desse tipo de pintor extremamente profissional, amante de matérias sutis, de
marrons, azuis e rosas esmaecidos, de uma estrutura perfeitamente pensada e
realizada com metiê adequado.”
Por sua vez,
Enock Sacramento, escreveu, no Diário do Grande
ABC, de 22/12/1984: “Das pinceladas
livres de seus gestos resulta uma obra extremamente harmoniosa, sensível e
organizada. Organização formal, colorística e rítmica, cujas regras são
reinventadas a cada pintura e que se impõem como obra única, como um admirável
mundo novo”.
Geraldo Ferraz
põe em destaque a técnica de pintura de Paulo Chaves: “Dentre nossos artistas que trabalham nas várias técnicas do ´relevo´,
poucos permaneceram nessa opção. Trata-se de um acrescentamento à superfície,
de camadas de matéria, bem distante das facilidades de “colagens”. Há nos ´relevos´
uma função muito específica, dado que sobreleva aos efeitos das montagens, para
se tornar uma função com efeito inerente. No campo da pintura, devemos a Paulo
Chaves uma busca pertinente, que chegou a ser sua expressividade, a discutir o
que efetivamente conduz.”
Samyra Crespo assim
define a arte do pintor, "A trajetória da pintura de Paulo Chaves foi clássica e teve três fases distintas. Primeiro, o aprendizado acadêmico, o ofício da figura e da imagem do barroquismo nos
relevos, a luz crepuscular e o brilho antigo, dando a seus quadros um clima
intimista. Mais tarde, passando um ano na Europa, voltou ao Brasil e se viu
envolto por um clima sombrio, pessimista e inseguro. O resultado de suas obras é monocromático, com negros e cinzas predominando, dando ideias de
ruínas, destruição e caos.
Os quadros dessa curta fase são dramáticos, de uma beleza dilacerada e nunca foram expostos.
Finalmente, após um ano, sua pintura adquiriu um vigor inusitado em suas
expansões horizontais e verticais, hoje livres mas não arbitrárias, evidenciadas pelas luzes e cores plenas,
demonstrando a riqueza infinita do seu universo íntimo".
Pietro Maria Bardi, o fundador do Museu de Arte de São Paulo (Masp), escreveu
sobre o pintor: “Há pintores amigos, e Paulo
Chaves é um deles. […] Paulo confirma para o público um senso que vou colher
também na prosa de um crítico da atualidade, Jacob Klintowitz: ´É uma exposição
sólída, sóbria, meditada, elaborada até às minúcias para que da escrita nada se
perca´. […] Peço emprestada uma definição a um outro amigo, desta vez um poeta,
Giuseppe Ungaretti: Paulo Chaves, combinador espontaneo da ´límpida maravilha
de um delirante fenômeno´, o do criar, e nos convencer.”
A MORTE
Todas as pessoas que conheceram Paulo Chaves destacam nele, além de sua viva
inteligência e grande cultura, a simplicidade, a gentileza e o sentimento da
amizade. Ao contrário de muitos artistas que, para colocar em relevo seu
talento, se “fantasiam” com roupas exóticas, hábitos excêntricos e
desregramentos nos costumes, ele sempre se manteve num figurino de normalidade,
com uma vida saudável e disciplinada. Saudoso das paisagens marinhas, que se
constituíram no principal conteúdo de suas lembranças da infância, em Iguape,
elegeu as praias de Maresias, em São Sebastião, Litoral Norte de São Paulo,
como sua principal morada e fonte de inspiração para uma boa parte de sua obra.
Paulo de Moraes
Chaves faleceu em Maresias, em 28 de janeiro de 1989, aos 67 anos, quando já
era consagrado pelo público e pela crítica como um dos mais importantes
pintores brasileiros e internacionais do século XX.
Por ocasião do
vigésimo ano do falecimento do pintor, o Fundo de Cultura do Município de Santo
André publicou, em 2009, o livro Paulo
Chaves – Andamentos da Cor, de José Armando Pereira da Silva (Alpharrabio
Edições), uma bela e merecida homenagem ao grande artista plástico valerribeirense.
ROBERTO FORTES, historiador e jornalista, é licenciado em Letras e
sócio do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. E-mail: robertofortes@uol.com.br
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deste texto com a devida citação dos créditos).