Conheça todas as
teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas
outra alma humana
Esta semana foi muito difícil decidir o recorte que eu faria para escrever esta coluna. Assim como a pesquisa acadêmica, na qual precisamos realizar recortes para definir o objeto de estudo e o método de pesquisa, para escrever este artigo os mesmos recortes muitas vezes são necessários.
Tal recorte nem sempre é algo fácil de lidar, pois, quando selecionamos um tema, sofremos por aqueles que não foram contemplados.
Tendo em vista a liberdade que esta coluna proporciona e a minha própria personalidade (risos) decidi então trazer para o diálogo algumas das temáticas que me envolveram neste mês.
O dia 20 de novembro foi instituído, através da lei 12.519, como o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra.
Há algum tempo atrás, uma estudante me chamou no whatsapp e relatou a cena vivenciada: estávamos em (mais) um movimento protestando contra o corte de verbas de uma instituição pública de ensino.
Um repórter local, convidado para noticiar o movimento, decidiu entrevistar essa estudante e se aproximou com a seguinte frase: “como você se sente sendo a primeira da sua família a estar na faculdade?”. Sim, essa pergunta veio sem contexto, sem diálogo, carregada de preconceito e suposições.
A estudante teve a sensibilidade de perceber o racismo, negou-se a dar a entrevista, e foi chamada de “louca” pelo repórter. Mais tarde, no mesmo dia, ela me manda uma mensagem e questiona-se “eu exagerei?”.
A Psicologia, elitista e excludente em suas origens e práticas, muitas vezes reforça e reproduz o preconceito quando, de forma individualizada, tenta relativizar o ódio numa tentativa de terapêutica. Lembrei-me então de uma das orientações mais sábias que já recebi: “você pode dizer o que é preconceito, mas não pode dizer quando não é.
Quem sofre sabe quando é”. Não, minha querida estudante, você não exagerou, e que bom que você soube identificar e encontrar pares que te fortaleceram naquele momento.
Neste dia 21 de novembro também ocorreu a primeira fase do ENEM 2021. Lembro-me de quando prestei o ENEM em 2003, a prova era apenas um conjunto de 63 questões cujo resultado auxiliava na pontuação para o vestibular como a FUVEST. Para escrever esta coluna, pesquiso na internet e verifico que o caderno de questões do ENEM 2003 encontra-se disponível; o tema da redação naquele ano foi: “A violência na sociedade brasileira: como mudar as regras desse jogo?”.
Fica aqui o convite para verificar se caminhamos nessa questão, no site https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/.
O ENEM 2003 também trouxe tirinhas da Mafalda, questões sobre desmatamento e poluição, referências de poetas, pesquisas desenvolvidas pela FAPESP e encerrou com o quadro Operários, de Tarsila do Amaral. Como nos sairemos nesse ENEM 2021?
E, para além disso, qual perfil será selecionado para ocupar as cadeiras das universidades públicas? Quais profissionais estarão no mercado dentro de 5 anos? E, o mais importante, quem será excluído desse processo?
E agora, retomo a frase com a qual iniciei essa coluna: “Qual a sua abordagem?”. Enquanto psicoterapeutas, acontece vez ou outra de sermos indagados quanto à abordagem que utilizamos na clínica.
Essa pergunta ressoa em mim desde quando iniciei os estudos na graduação: todas as teorias e técnicas me parecem interessantes [aqui eu gostaria de fazer um parênteses e um convite: você conhece a parábola “Os Cegos e o Elefante”?], mas somos pegos na contradição que elas contêm.
Existem abordagens mais difundidas, entretanto as possibilidades de resposta são muito amplas (temos, por exemplo, a psicologia analítica; psicanálise - e seus diversos teóricos; terapia cognitivo comportamental; terapia analítico comportamental; gestalt terapia; existencial fenomenológica; abordagem centrada na pessoa; logoterapia; psicodrama; psicoterapia interpessoal - esqueci de vários! Perdoem-me).
A realidade parece ser esse grande elefante, e cada arcabouço teórico ilumina suas partes realçando uma perspectiva com explicações aceitas por seus pares como verdade ou possibilidade, contudo, estão longe de conseguir contemplar todas as realidades e manifestações.
Porém, entendo a necessidade do aprofundamento teórico em uma determinada abordagem; como disse um colega, hoje professor, a Psicologia é uma ciência, e, como tal, produz conhecimento teórico com o objetivo de respaldar nossas ações, conduta ética e manejo terapêutico.
Talvez tenha sido a dificuldade em realizar um recorte teórico que me manteve por tanto tempo longe da clínica.
E você, colega, como se sente/sentiu em relação a isso?