Neste mês de abril comemoramos um ano da criação da Coluna Cotidiano Psi. Esta parceria contou com o acolhimento da idealizadora e responsável pelo site, Elizandra, a quem somos muito agradecidos. Decidimos neste mês fazer uma pausa e construir este único texto escrito a três mãos dos colunistas, Carla, Daniel e Michele. Decidimos abordar sobre o compromisso, a responsabilidade, o prazer e a angústia da escrita neste nosso percurso.
Quando firmamos o compromisso e aceitamos escrever para esta coluna, cada um de nós tinha sua expectativa, seu desejo, sua vontade de compartilhar. Aceitamos cientes de nosso lugar, enquanto profissionais, ocupando este espaço de prazer e responsabilidade. E é no diálogo proporcionado pelo retorno daqueles que nos lêem, que se identificam, criticam, sentem-se provocados, que vamos ressignificando nossas próprias vivências e emoções.
Ao escrever também precisamos ter a responsabilidade sobre como abordamos temas, assim como a importância de desconstruir perspectivas autoritárias ou mesmo alienadas que tendem a simplificar o sofrimento do outro. Partir do exercício de tentar registrar questões que angustiam em nosso cotidiano requer cuidado e muito respeito.
Começamos pelo compromisso de admitir nossas incompletude e limitações vivenciadas desse nosso ser tocado pelas alegrias e dores da vida, assim como o encontros e desencontros na construção dos textos, na disponibilidade para produzir algo em dias que nem sempre estamos com aquele pique. O companheirismo exige uma “união requer sacrifícios”, o esforço para encontrar juntos soluções ou mesmo caminhos mais possíveis como diz Zygmunt Bauman no livro “A Modernidade Líquida”.
E, divergindo de toda essa liquidez, nesses doze meses produzimos mais de trinta textos. Temas como suicídio, violência contra a mulher e mesmo sobre a importância de falar a verdade para a criança sobre a sua adoção, e os efeitos do não dito sobre a criança, foram alguns temas que fazem pensar sobre como precisamos ter cuidado ao simplificar questões que deixam marcas na vida das pessoas. Falamos sobre emoções, sensações, memórias, lembranças: assim como no dia-a-dia de nossa profissão, superar a opinião e promover o debate centrado na ciência é resultado de um esforço intencionado, pois falar de algo sempre é falar de si.
Esse compromisso com a nossa humanidade, me lembra a música de Gonzaguinha “se respeitar na sua força e fé, se olhar bem fundo até o dedão do pé” ¹, pois é reconhecendo nossa incompletude que podemos aprender todos os dias. Reconhecemos que não existe uma verdade ou receitas para lidar com os diversos sofrimentos que atravessam nossa vida, mas o fato de reconhecer o sofrimento, e provocar a reflexão é um caminho na busca de uma compreensão que pode levar a uma outra forma de lidar com ele, sendo algo mais possível.
Nesta coluna de aniversário, celebramos não apenas um ano de coluna Cotidiano Psi: celebramos também a amizade. Amizade que suporta, que acolhe, que motiva e incentiva.
Algo muito especial também surgiu durante a produção de nossos textos: a preocupação com o leitor. Sempre interessados em escrever com clareza e longe de expressões dos especialistas que deixam os textos pesados e pouco acessível, o contato com o leitor mesmo que a distancia incessantemente foi o nosso maior farol. Sabendo que a língua pode ser uma forma de exclusão, como diz Maurizzio Gnerre no livro “Linguagem, escrita e poder”, a Constituição afirma que todos são iguais perante a lei, mas essa mesma Constituição é escrita numa linguagem que somente uma parcela reduzida de brasileiros consegue entender, tentamos a todo o momento traduzir termos técnicos seja da Psicologia, da Psicanálise ou de outras Ciências com a maior aproximação dos recursos da atividade linguística real dos falantes. O endereçamento de nossos textos sempre foi o alcance da satisfação pela leitura.
Estamos em tempos de muita reflexão. O traço deixado por essa pandemia da Covid 19 em que estamos passando nos ajudou a lembrar como somos tão vulneráveis, que se ficarmos sem o ar para respirar por alguns minutos, morremos. Por outro lado o poder e o capital cresceram num modo de acumulo tão intenso que nos trouxe também a constatação que a ganancia pode ser maior que a vontade de viver.
Se o sonho de transformação da humanidade passa pela ideia de uma coletividade engajada, a produção de texto e da escrita pode ser uma grande ferramenta em grupo para lidar com os mecanismos de discriminação e exclusão. Vida longa à Coluna Psi!
Edição especial- O ato de escrever ¹
Escrito por:
Carla Cristina Kawanami, Psicóloga escolar do Instituto Federal São Paulo (IFSP) campus Registro, graduada pela USP e Mestre em Educação: Psicologia da Educação pela PUC SP. Email: carla.kawanami@gmail.com Facebook: Carla Kawanami
Daniel Vicente da Silva, Psicanalista e Psicólogo, Membro Associado do Núcleo de Estudos em Psicanálise de Sorocaba e Região – NEPS-R. E-mail: danielvicente_@hotmail.com
Michele dos Santos Gouveia, Psicanalista, Psicóloga Clínica e Consultora de Carreira, mestre em Psicologia Social e Especialista Clínica em Psicanálise e Linguagem. E-mail: michelegouveia.psi@gmail.com
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