Como um barquinho à deriva, nossa vida se localiza numa imensidão de complexidade.
Participando de um evento para psicoterapeutas reproduzi, na minha apresentação, uma frase do psicanalista francês, Jacques Lacan, que num dos momentos de sua aula disse “o que o neurótico recusa é sua angústia” (1962/63)
Pode parecer óbvio que qualquer pessoa possa e deva recusar sentir uma angústia terrível. A questão é que há algo que vai além do dito, que poderia dizer respeito a alguma coisa escondida e que nos levaria a ter essa saída psíquica não banal como pareça.
A angústia é uma afeto que poderia ser descrita como “uma moeda universal” (Sigmund Freud escreveu sobre isso nas “Conferência Introdutória à Psicanálise” (1916/17)). Universal porque poderíamos trocar outro estado afetivo pela angústia e vivenciá-la em diversos momentos da vida; universal também porque qualquer ser humano já sentiu, sente ou sentirá angústia em algum momento da vida.
O fato é que na vida todos passamos por momentos de alegria ou tristeza, preocupações ou situações que nos fazem curtir o momento. Os altos e baixos sempre estarão nos arredores da nossa existência. E muitas das vezes não teremos controle sobre esses acontecimentos; daí o drama que aumenta com a constatação de que estamos, como o barquinhos em alto mar, à deriva das forças da natureza. Podemos até nos aproximar de pontos que tentam nos trazer maior equilíbrio e diminuir a sensação de estarmos ‘ao sabor das forças externas’.
Alguns exemplos que comprovam o que escrevi no parágrafo anterior. Agora mesmo leio no jornal que mais uma vez uma pessoa invade um shopping no Estado Unidos, atira em pessoas de forma covarde e deixa muitas vítimas. A sensação de experimentar uma possibilidade dessas é aterrorizante para todos nós. Estamos à mercê de vivencias que causam em nós impactos psíquicos e nos paralisam constantemente nas nossas escolhas.
Outro modelo que me fez pensar na nossa existência humana repleta de acasos e aos sabores do momento é de uma pessoa que procurou se submeter a uma cirurgia necessária para seu estado de bem estar orgânico, mas que teve complicações por conta de infecção pós-operatória e precisou passar por sofrimentos que não esperava. Após ter ido para unidade de terapia intensiva e se recuperado do susto retornou a vida prática com muitas sequelas (inclusive psicológica).
Por esses e outros milhares de exemplos podemos constatar que realmente somos capazes até de recorrer a santos e outros aportes da nossa fé crédula, mas que a realidade que nos é imposta pode ser muito mais cruel do que esperávamos. Mesmos assim não deixamos de acreditar que conseguimos controlar o improvável.
Além da própria constatação de que não dominamos, como gostaríamos de acreditar, a nossa própria vida; aproveito para retornar à frase de Lacan do início do texto. A gente tenta não sentir a angústia, mas não só porque ela seria um afeto ligado ao desprazer, mas também, que ela pode ser um sinal de um desejo que estaria em nós (inconsciente) mas que não olhamos para ele com bons olhos. Esse desejo, caso tomássemos como algo concreto existente em nós poderia nos colocar em maus lençóis. O sinal do afeto da angústia nos diria também de uma parte em nós que seria incompatível com a nossa própria vida social e que deve ser mantido afastada e totalmente escondida.
Para que isso continue ocorrendo e que nós possamos continuar vivendo em sociedade produziríamos algumas defesas no enfrentamento desse afeto. As inibições (deixar de fazer algo que é necessário ou que eu gostaria de realizar, como por exemplo uma apresentação em público) ou os sintomas psíquicos (as fobias, as obsessões e outros quadros sintomáticos) seriam uma forma de evitar sentirmos aquela sensação tão desconcertante – a angústia.
Por tanto, não só a vida em seus deslizes já seria capaz de tornar tão angustiante uma existência, como também algumas pessoas tenderia a se afastar de suas satisfações colocando todo tipo de justificativa para não os realizá-los. O afeto da angústia pode aparecer em decorrência de um trauma da existência – por exemplo, no estresse pós traumático vivido por um sujeito após sofrer um sequestro – como também para sinalizar a alguma situação de perigo. Perigo! – prazer a vista.
Daniel Vicente da Silva
Psicanalista, Psicólogo clínico e Professor Universitário. Membro Associado do Núcleo de Estudos em Psicanálise de Sorocaba e Região – NEPS-R.
E-mail: danielvicente_@hotmail.com
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