Cinema e psicanálise têm uma ligação interessante

Cinema e psicanálise têm uma ligação interessante.


Vários colegas pesquisam, estudam, comentam essa relação entre o inconsciente e a sétima arte.

Faço parte de um grupo de pesquisa que há 2 anos vem trabalhando essas temáticas. Nos reunimos com frequência e compartilhamos experiências sobre os filmes e leituras que dizem respeito à experiência do cinema e o entrelaçamento com a disciplina analítica.

Mas aqui não escreverei sobre essa minha participação no grupo e nem qual o resultado dela. Passo a pensar com vocês sobre a experiência de assistir filmes. Como assistimos aos filmes que gostamos?

Ainda nas grandes cidades temos os cinemas (principalmente por conta deles existirem hoje, quase todos com algumas pequenas exceções, localizados em centros de compras e shopping) e podemos assistir em conjunto com pessoas que não conhecemos. Em nossas casas ficou muito mais fácil e prático o acesso a um filme em poucos minutos. Com as assinaturas dos ‘streaming’ (plataformas que transmitem os vídeos pela internet) a opção se ampliou muito. Agora a dificuldade não é como era há quase 20 anos, em que íamos às locadoras de vídeo alugar filmes. Hoje o complicado é escolher entre as infinitas possibilidades ao nosso alcance.

Mas o que mudou também é a relação nossa com o costume de como assistíamos e de como assistimos hoje. Com aparelhos como celulares e ‘tablets’ experimentamos uma nova forma de assistir. Cada um no seu espaço, podemos ver sozinhos, com fone de ouvido, filmes e outros modelos de vídeo disponível. O contato com outras pessoas durante a exibição e os comentários acerca do filme/série de cinema não existe nessa nova relação com o vídeo.

Meses atrás uma pessoa me testemunhou que assistir filmes junto a sua família na infância era sempre um desgaste a parte. Nos filmes de ‘cinderela’ e de um ‘mundo de contos de fadas’ (normalmente ligado a alguma questão religiosa) as cenas eram exaltadas pelos seus pares. Nos filmes de ação e drama a coisa era diferente. “A primeira lembrança que me vem é de que meus pais tinham uma mania de “catequisar”, “moralizar” algumas cenas dos filmes, seja ligado à violência, sexualidade ou transgressão de toda ordem”, dizia ele. Comentários de ‘certo ou errado’ em relação ao filme lhe passava a sensação de que tinha que ‘sair e voltar’ para dentro do enredo. Como se ele fosse arrancado a fórceps para uma realidade digna e tinha que fazer um esforço tremendo para retornar para a ficção.

Me parece que não só com meu observador sobre sua experiência, mas de forma geral, é muito comum escutarmos pais que tentam menosprezar a experiência em que seus filhos gostem ou sintam satisfação em determinado vídeo, sem que para eles não seja incomodo perceber que os filhos estão gostando. Lembro de uma amiga que me contava, exaltando a ‘bondade’ de seu pai, que ele mudava de canal na televisão toda vez que elas (ela e a irmã) estavam assistindo novelas ou filmes. O pai queria que as filhas assistissem somente noticiário em um determinado canal escolhido por ele, por que segundo sua avaliação “não se tratava de mentiras contadas nos filmes e novelas”.

Penso muito antes de repetir (porque já sei que alguma coisa irei repetir com meus filhos) postura moralista desse tipo quando minha filha pede para ver algum vídeo da internet. Tento ao menos não fazer o trabalho de ‘estraga prazeres’ como se sentia a minha colega diante da companhia de seu pai.

Talvez por conta de toda essa motivação em nossa cultura, relativo aos cuidados com os filmes e desenhos em que nossos filhos estão assistindo (não se trata de um apelo à negligenciar os cuidados com as crianças, mas certa forma exercida com excesso de repressão por alguns setores), alguns jovens prefiram hoje assistir a seus filmes em telas menores e individuais, longe do alcance de seus pais.

Sabemos que a verdade para a psicanálise não é algo que possamos verificar na realidade. A verdade se verifica na enunciação do sujeito. Isso diz que não se trata de um fato verídico, algo de um saber, mas de um lugar (lugar do sujeito). Poderíamos dizer e afirmar que a história é uma forma de ficção compartilhada e que assume estatuto de verdade (tanto a história individual do sujeito relatado numa sessão de análise ou a história coletiva, da humanidade contada através dos livros) no momento mesmo de sua distribuição/repetição. Nos filmes o diretor conta sua história da maneira que lhe cabe. Nós, telespectadores ativos lhe concebemos um estatuto de verdade no momento em que participamos como conferencistas/testemunhas daquela ficção.

Há um conceito em psicanálise chamado ‘fantasia inconsciente’. É ela que nos auxilia na leitura da realidade de nossas vidas. Temos que verificar o que nossas crianças visualizam pelas telas de celulares ou outras maquinas. Mas não só com a repressão, mas também com a participação (participa - ação) em suas/nossas experiências.

Daniel Vicente da Silva

Psicanalista, Psicólogo clínico e Professor Universitário. Membro Associado do Núcleo de Estudos em Psicanálise de Sorocaba e Região – NEPS-R.

E-mail: danielvicente_@hotmail.com

Cinema e psicanálise têm uma ligação interessante.
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