O Caminho do Peabiru ligava São Vicente à região onde seria fundada a cidade de Assunção, no Paraguai. No seu outro extremo, adentrava Cuzco e descia às praias do oceano Pacífico.
Estendia-se por cerca de 800 léguas (aproximadamente 3.500 Km) e sua largura média era 1,40 metros por 40 centímetros de profundidade, chegando a 1,80 metros em alguns pontos.
Segundo o cronista Fernando de Montesinos, o caminho do Peabiru dataria do ano de 1200 e sua abertura seria atribuída ao Inca Titu Yupanqui Pachacuti VI.
Nas áreas úmidas era coberto por pedras. Recobria-o uma erva que não crescia além do necessário e não se deixava destruir mesmo quando ressecada pelo fogo ou pelo vento. Viam nisso um milagre de São Tomé. Essa erva também impedia o crescimento de outras.
A comunicação entre os extremos era feita por estafetas, chamados chasquis. Nasciam para ser estafetas, selecionado ainda crianças. Alimentavam-se de um punhado de milho e um pouco de água, uma só vez no dia. Não podiam parar para se alimentar.
Tinham que ser magros e resistentes. Paravam em acomodações para homens e lhamas. Iam de dois, quatro, seis, conforme a importância da estrada.
Venciam cerca de 800 léguas em mais ou menos 15 dias, em condições normais. Cobriam as 500 léguas entre Cuzco e Quito em 10 a 12 dias.
O filósofo francês Montaigne (1533-1592) escreveu, impressionado, sobre o Peabiru: “Nem a Grécia, nem Roma, nem o Egito podem comparar nenhum dos seus portentos aos caminhos que são vistos no Peru.” Igual impressão teve o conquistador do Peru, Francisco Pizarro (1476-1541): “Em la cristianidad no se han visto tan hermosos caminos.”
O que poucos sabem é que o Peabiru também passava pelo Vale do Ribeira. Cananeia era um dos ramais dessa estrada. O caminho de Iguape se dirigia, pelo rio Ribeira, até as lavras de ouro de Ivaporunduva e Iporanga, e daí às minas de Apiaí e Paranapanema.
SIGNIFICADO DO NOME
Há diversas grafias para Peabiru: Piabuiu, Peabeiu, Piapiru, Peabiju, Tape Averu, com diferentes significados: “caminho que se percorre”, “caminho ralo”, “caminho batido”, “caminho pisado”, “caminho amassado”.
Mas esses significados não parecem corresponder a um caminho tão importante. Os guaranis usavam Peabeyu (e não Peabiru): “caminho antigo de ida e volta”. Para outros, sem muita imaginação: “caminho fofo”, “caminho estofado” etc.
Os Incas chamavam de Biru o seu território que, acrescido da partícula “pe”, virou Peabiru: “caminho para o Peru’, ou “caminho para a montanha do sol”. Alguns associam o Peabiru ao “caminho do sol”, que levaria a Yvy Marã Ey – a Terra Sem Males do povo guarani. Para outros autores, Peabiru significa: “caminho do (ou para) Peru”, que pronunciavam Belu, Bera ou Biru.
O PARAÍSO ERA NO BRASIL?
Teólogos acreditavam que Deus não tinha destruído o Éden, o Paraíso, mas o situou numa terra ou ilha feliz, sem doenças, sem velhice, sem morte, sem temor.
Quando viu a foz do rio Orenoco, Cristóvão Colombo acreditou que fosse um dos quatro rios descritos em Gênesis 2:10-14, que regavam o jardim do Éden. Por sua vez, Pero Vaz de Caminha descreveu o índio tupinambá com qualidades do homem antes da Queda.
Por isso, muitos acreditavam que o Paraíso fosse na América, em especial, no Brasil. O padre Simão de Vasconcelos teve que excluir seis parágrafos de seu livro porque escreveu que o Paraíso estava na América.
E o escritor mineiro Pedro de Rates Hanequim, de 26 anos, foi enforcado em Lisboa, em 21 de junho de 1744, queimado e suas cinzas dispersas porque insistia que o Brasil fora a pátria de Adão e que aqui era o Paraíso.
Os guaranis migravam em peregrinação sem volta e quase sem rumo à procura de Yvy Marã Ey – a “Terra Sem Males”, o país da felicidade, ou seja, o Paraíso.
SÃO TOMÉ
Teólogos e o povo em geral acreditavam que o apóstolo São Tomé viera ao Brasil para evangelizar e difundir técnicas agrícolas. Já antes de 1515, na Europa, acreditava-se que Tomé estivera no Brasil, sendo o seu nome tropicalizado para Sumé.
Várias são as formas que deram ao nome de São Tomé na América: Sumé, Sommay (francês), Mara, Cariba, Zemi (Haiti), Zanina ou Zamima (coração da América Central), Kukulcan (México), Bochicha (chibchas), Viracocha (Titicaca, Bolívia), Tonapa, Quetzalcoatl (México).
Como Sumé fez a promessa de voltar, quando chegaram à América e ao Brasil os primeiros navegantes europeus, os indígenas acreditavam que eram os deuses que regressavam. Julgavam ver as suas pegadas por toda parte.
Tomé ensinou o plantio da mandioca. No Paraguai o cultivo da erva-mate. Na Bahia deixou a banana de São Tomé. E ensinou também a religião, o alimento do espírito. Foi bem recebido pelos indígenas, em especial pelo tupi. Porém, acabou sendo expulso devido à inveja dos pajés, que se sentiram lesados em suas funções.
Desceu do Maranhão para o Rio Grande do Norte, daí à Paraíba e Bahia, passando para o Espírito Santo e Rio de Janeiro até chegar em São Vicente, onde deu início ao Caminho do Peabiru. Aonde chegava, era expulso de novo.
Foi até Assunção e, sendo expulso, se estabeleceu junto ao lago Titicaca. No Paraguai, era conhecido como Payé Zumé e, no Peru, Pay Tumé.
OS VIAJANTES DO PEABIRU
O primeiro europeu a trilhar o Peabiru foi português Aleixo Garcia, em 1524. Percorreu cerca de 2.500 km de campos e matos, atravessou o Chaco paraguaio e atingiu os Andes, chegando a Chuquisaca (Sucre), onde ficavam as minas de prata de Potosi. O Inca de então era Huayna Capac (1464-1524).
O roteiro de Aleixo Garcia teria sido seguinte: acompanhou o curso do rio Paraguai até a confluência com o Iguatemi, virando depois a oeste. Alcançou o Chaco paraguaio e o rio Paraguai na altura de Porto Cansado.
Sempre no rumo norte, buscou o melhor ponto de travessia nas proximidades de Corumbá (MS). Chegou à Bolívia e seguiu a noroeste na direção das minas de Potosi, nas vizinhanças de Cochabamba.
Morreu na viagem de volta, em 1525, às margens do rio Paraguai. Antes enviou emissários com amostras das riquezas para Santa Catarina.
Em 1531, Martim Afonso de Souza (1500-1564) despachou a expedição comandada por Pero Lobo, com 80 homens, em busca de prata, acreditando na promessa de Francisco Chaves, que prometeu voltar no prazo de dez meses, com 400 índígenas carregados desse metal.
Acredita-se que a expedição foi trucidada pelos índios carijós nas imediações no rio Iguaçu, no Paraná.
A próxima expedição só foi feita dez anos depois, em 1541, por Álvar Núñez Cabeça de Vaca (1490-1559), recém-nomeado governador do Rio da Prata. Ele buscou o mesmo ponto por onde entrara Aleixo Garcia, o rio Itapocu, em São Francisco do Sul (SC).
Passava por Curitiba e seguia até Assunção, daí passando por Mato Grosso até a Bolívia, e outro ramo descia para o sul, buscando o Uruguai. Cabeza de Vaca iniciou a sua caminhada com 250 arcabuzeiros, 26 cavalos e muitos índios. Alcançou Assunção, sem perder nenhum homem ou animal, conforme seu relato.
Por sua vez, o alemão Ulrich Schimidl (1514-1579), estando em Assunção, ficou sabendo que um navio partiria de São Vicente para a Europa.
Como ele precisava receber uma herança, fez o percurso pelo Peabiru, na companhia de indígenas e dos portugueses João Rodrigues de Cezimbra e Antônio Tomás de Lisboa, do sevilhano Ruy Díaz de Melgarejo e do genovês Francesco Gambarotta. Schimidl partiu de Assunção em 26 de dezembro de 1552 e chegou a São Vicente em 13 de junho de 1553, a tempo de embarcar no navio para a sua terra.
O TRONCO E OS RAMAIS
O escritor Luiz Galdino defende a tese de que o Peabiru foi uma realização do Inca para uma posterior incorporação do Brasil ao império incaico, sediado em Cuzco.
Motivos: informação é poder; o poder auxilia o comércio; o comércio ajuda o poder; e bons caminhos asseguram a informação, o comércio, o poder.
Além do caminho do Peabiru, existiam as trilhas indígenas dos tupiniquins, tupinambás, tamoios, guanás, carijós, guaranis. O Peabiru se destacou por ligar o planalto de Piratininga ao Guará (Paraná) e a Assunção, escalas importantes a caminho do Peru.
De Cuzco, partiam os variados caminhos que tocavam o Atlântico, em pontos diversos como São Vicente, Cananeia, Iguape, Paranaguá, São Francisco do Sul e a Lagoa dos Patos.
Os Incas chamavam o seu império de Tahuantinsuyu (“país das quatro províncias” ou “reino dos quatro pontos”). O Império Inca era um poder com extensão em todos os pontos cardeais. Sua conquista do Brasil teria sido frustrada pela resistência do povo guarani.
Segundo Galdino, o tronco do Peabiru se estende de São Vicente à região de Taioba, ponto onde o rio Piqueri faz sua barra no rio Paraná. Já os ramais eram: Cananeia-Açungui; Botucatu-Paranapanema; Pirapó; Itapocu-Castro; Iguaçu-Rio Uruguai; e o Paraná-Paraguai. E existiam variantes de menor envergadura como: São Francisco do Sul-São José dos Pinhais; Laguna-Lages-Lagoa dos Patos; Cananeia-São Miguel Arcanjo-Botucatu.
OS ÍDOLOS DE IGUAPE
Por volta de 1906, o naturalista Ricardo Krone (1861-1917) encontrou o Ídolo de Iguape, a cerca de um quilômetro a sudoeste do sambaqui do Morro Grande, entre o rio das Pedras e o rio Comprido, na Jureia. Esculpido em pedra gnaisse, mede 9 cm de altura por 8 cm de comprimento e 3,2 cm de largura.
Esse ídolo se assemelha a outros artefatos zoomorfos ou ornitomorfos encontrados em sambaquis da região. Segundo o Dr. João Coelho Gomes Ribeiro, em sua História de São Paulo, foram descobertas no Peru, de onde procedia parte da cultura Calchaqui, estatuetas e cabeças de homens em pedra semelhantes ao Ídolo de Iguape.
Em 1927, o historiador iguapense Waldemiro Fortes (1873-1932), encontrou, em um sambaqui de Iguape, uma curiosa estatueta de aspecto antiquíssimo. Essa imagem representava perfeitamente a cabeça de um homem gigante.
O busto media 68cm de altura; a “cabeça”, 100cm de circunferência; o “pescoço”. 34cm de altura e circunferência de 75cm. Pesava aproximadamente 30 quilos. A “boca” e o “nariz” tinham sofrido muito pela ação do tempo, notando-se na parte superior do “beiço” um agrupamento de pequenas cavidades.
O historiador encaminhou a estatueta para o jornal A Tribuna, de Santos, do qual era correspondente, para ser examinado por cientistas. A partir de então, não encontramos mais referências a essa imagem, nem qual tenha sido o seu paradeiro.
Muitos anos mais tarde, em 25 de maio de 1998, nas imediações da Pedra da Paixão, no lugar conhecido como Jejava, quando o pescador Luiz Batista puxou sua tarrafa de dentro das águas, nela veio um objeto que o deixou surpreso: um busto, composto de cabeça e ombros, rudemente esculpido em pedra. O busto foi entregue à Prefeitura de Iguape, sendo hoje desconhecido seu paradeiro. Acredita-se que esse ídolo também teria ligação com o caminho do Peabiru.
O MACHADO DE BRONZE
O jornal A Província de S. Paulo (atualmente O Estado de S. Paulo), de 18/03/1866, noticiou que o engenheiro Henrique Bauer, residente em Iguape, recebeu uma machadinha de bronze em perfeito estado, encontrada um metro abaixo do solo, na Primeira Ilha, em Xiririca (hoje Eldorado), quando se cavava para fincar o esteio de uma casa.
Esse objeto foi enviado a Berlim e ali reconhecido como idêntico aos que são encontrados no Peru entre as antiguidades pré-colombianas.
Para o naturalista Hermann von Ihering (1850-1930), que se baseara em observações de Ricardo Krone, o machado era de cobre e não de bronze. Contudo, o machado de cobre também era comum na civilização incaica.
Von Ihering acreditava que o machado chegara ao litoral paulista através da migração do povo carijó, que atingiu Cananeia e Iguape.
REFERÊNCIAS
DONATO, Hernâni. Sumé e Peabiru. São Paulo: Edições GRD, 1997.
GALDINO, Luiz. Peabiru: Os Incas no Brasil. Belo Horizonte: Ed. Estrada Real, 2002.
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ROBERTO FORTES é historiador, escritor e jornalista. Autor dos livros: “Iguape: Nossa História” (2000); “Almanaque do Senhor Bom Jesus de Iguape” (2006); “O Tucano de Ouro – Crônicas da Jureia” (2012); “Katsura, a primeira colônia japonesa do Brasil” (2018), além de centenas de artigos sobre a História do Vale do Ribeira publicados em jornais e blogs. É sócio do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo.