Por Yago Tadeu
O nome de Fernanda Torres circula entre os principais críticos de cinema como uma forte candidata a uma indicação ao Oscar de Melhor Atriz pelo emocionante “Ainda Estou Aqui”, dirigido por Walter Salles.
O filme, que explora as nuances da perda e da resiliência, já conquistou prêmios em festivais internacionais como o referencial Globo de Ouro no último dia 5/01, agora mira o maior palco do cinema mundial.
Com uma atuação marcada pela sutileza e intensidade, Fernanda Torres dá vida a Eunice Paiva, uma mulher que enfrenta a ausência repentina do marido enquanto lida com os ecos de memórias, dores e esperanças durante o período da ditadura. A narrativa, que se desenrola na burguesia carioca revela uma jornada emocional que equilibra medo e ternura de forma magistral.
Torres, aos 59 anos, como a dona de casa Eunice Paiva, veste o personagem em camadas e caminha pelo cenário do filme defendendo sua família após o desaparecimento do marido Rubens Paiva (Selton Mello).
Ela o faz com a delicadeza de uma mãe pródiga e de uma mulher que se move entre o silêncio sorrateiro da ditadura, moldada por ele, sem deixar, entre tiros no escuro, de acender uma lanterna para que seus filhos possam viver suas naturais brasileirices.
Isso reflete, acima de tudo, a força do brasileiro, mesmo na época sombria da ditadura, em transformar pequenos momentos de claridade em picos de esperança. Parece que tudo sempre foi assim para o “País do Samba/Alegria”.
Primeiro ponto: O filme tem uma dose nostálgica correndo no seu presente, onde Eunice Paiva (Torres) e (Rubens Paiva) Selton Mello vive e revive memórias presentes da família, onde a convivência, a liberdade e o respeito do seu dia a dia estão presentes no enfrentamento de problemas da fase da adolescência e na independência irreverente das crianças, em especial do Marcelo (Guilherme Silveira) que representa em doses típicas a infância de uma criança em uma família burguesa e se estende na simplicidade da criança brasileira no seu pebolim noturno que não deixa de ser acessado por uma parte das crianças no Brasil.
Torres como mãe exala a paciência de uma professora do Ensino Fundamental, ela os protege de uma escuridão iminente, os poupa de tudo que estão vendo e brilha quanto ao demonstrar aos milicos, amigos, filhos e até mesmo militares que tudo está bem em nome dos filhos, até mesmo sobrepondo a estratégia da imprensa transmitindo sua força de aparentar e ser feliz com contagiante continuidade desse sentimento na irreverência das crianças.
Segundo ponto:
Torres com Walter Salles (Diretor) ausenta momentos de explosões emocionais, ou de cargas orais e mesmo físicas mais intensas em boa parte do filme, contrapondo os críticos que equiparam filmes nacionais com atuações desproporcionais e descomedidas da dramaturgia nacional, revelando que a sutileza e a incrível ternura de sofrer, angustiar e sentir não necessita de explosões para tocar, emocionar ou laurear grandes prêmios visto que pequenos gestos, um jogo de olhares clínicos entre as personagens partindo sempre de Torres que age como uma agulha que vai costurando toda a atenção todo o público desde o primeiro momento boêmio familiar, conquistando o atenção do público desde na porta de sua residência familiar ao se despedir do marido quanto ao enquadramento no carro com a família onde sua angústia está bem nítida no sorriso convincente à sua filha Vera em seu retorno ao Brasil, para casa, quanto ao tributo de oferecer uma tarde agradável de retorno a família quando já sabe que houve tempo demais para receber qualquer resposta sobre Rubens.
Ou seja, a sua atuação é um incêndio silêncioso tocado pela dor de Eunice que precisa ser contido sempre em nome de quem ama, mas que está bem nítido ao público.
Quando está na porta se despedindo do marido, Torres em especial transmite a tradição do controle entre os dois, em tom de primeira camada suave como quem diz: Te vejo no jantar. Mello devolve no carro como juras de resistência e um pedido por parte do pai, como se tivesse consciência do último ato como casal, mas Torres enfática como se mentisse para Rubens, para que pudesse continuar mentindo para as crianças, para os amigos e principalmente para si, mas a assimilação e negação usada aqui não é sobre mentira, mas sobre força e resistência. Até onde Torres através de Eunice Paiva consegue dizer a todos que Rubens ainda está lá? E de que tudo está bem e ainda sob controle?
Até mesmo a execução de sua movimentação na casa quando os milicos estão fechando as cortinas às vésperas de levarem-na ao presídio, nos dá a impressão de que estamos assistindo um suspense psicológico, porque Salles trabalha tão bem suas idas e vindas entre os seus inimigos que nem o espectador mais inteirado antes de assistir o filme está livre da angústia de não se saber para onde está indo, mais um reflexo claro da identidade da ditadura militar no Brasil. O filme emociona pela angústia.
Terceiro ponto:
Torres ao 59 anos, em tese tarde demais para interpretar Eunice, mas seu rejuvenescimento e a naturalidade do envelhecimento durante a passagem de anos corrobora com a sutileza da direção na maquiagem, na sequencia de figurinos e nas transições. Aparentemente, a alegria de cenas em praias cariocas ou de nossas representações bossa novistas estão batidas em novelas, séries e principalmente no próprio cinema, mas através de Torres e Mello, a alegria dos pais com a família e com os amigos Sobreviventes de Turno, não se destaca nem bem pela naturalidade, mas pelos poucos saltos de autoridade impostos pela mãe, até mesmo quando parte a figura materna.
Torres transmite muito bem a mensagem de que ela não precisou se reinventar como mãe, os filhos continuaram ouvindo-a, poucas discussões fugiram do controle dentro das festas em família ou na ausência do pai, os limites foram descobertos, entendidos, respeitados pelos filhos destacando a atriz que não precisou herdar autoritarismo doméstico ou inventa-lo porque tampouco Rubens Paiva (Selton Mello) condizia com essa educação.
Apenas Vera é um desajuste temperamental, mas Salles no cativeiro a traz para mais perto da mãe (Torres), e tanto a distância, quanto o destempero da personalidade que não tinha tanta sintonia entre as duas torna-se muito mais nivelada e compreensível para ambas após o retorno às suas vidas.
Quarto Ponto:
Embalada pela trilha sonora principal de Erasmo Carlos, “É preciso dar um jeito, Meu amigo”, Torres dá um jeito, ela é estendida em sequencias que parecem prenúncio de um desgaste da sua imagem, da sua profunda atuação e da força da personagem, mas continua na direção, revelando que a personagem parecia estar se perdendo, mas não o filme e sua fé.
As crianças em algum momento cansam daquele incêndio silencio, mas a cena em que ela tira o óculos assiste o clipe familiar, não reflete apenas uma mãe orgulhosa de sua família, é o prenúncio transmitido pelo medo e admiração na expressão de Torres de que ela vai dirigir a família sozinha.
Ali, Torres já afirma Eunice preparada para continuar conduzindo, porque ela não carrega, ela conduz até mesmo a memória de Rubens.
Com tudo isso, ela está leve, solta e responsável demais para conduzir até a reação dos outros. O a costura fina do início lento é um acerto, é como se uma bomba relógio fosse sucumbir a todo tempo e Torres a leva, mas não deixa nenhum dos seus ouvir o som da explosão.
Quinto Ponto:
A verossimilhança entre a cena da comemoração do atestado de óbito do próprio marido e o vídeo real de Eunice Paiva é a maior prova do terror silencioso promovido pela ditadura. Em tese, a comemoração de um atestado de morte como libertação, como recuperação de memória vestida por uma mulher fina e firme é a gota no mar dos desaparecidos que crava sua indicação no Oscar.
É o ponto do filme onde o melodrama e a profundidade da protagonista são explorados e tudo que vemos de mais profundo é sua velhice radiante em uma entrevista coletiva onde a carta de um memorial parecia o próprio anúncio da estatueta do Oscar.
Para fechar o ponto da costura, Montenegro como Eunice, aparece com a expressão carregada e com a sutileza herdada ao inverso da vida para a arte.
Emite recados doloridos apenas com o olhar e maior que isso, sem qualquer gesto, leve gemidos do corpo transmitem o sentido mais íntimo que o espectador horas depois, esquece que ela esteve em silêncio.
Muitos anos depois de ter o sonhado atestado de óbito em mãos, muito tempo depois de ter o Globo de Ouro em 1999 nas mãos e conseguir dizer muito com um inglês suspeito.
Além de todas as sacadas no rodeio de premiações, Torres jovialmente feliz e de preto, se desloca fina e elegante, com os cabelos americanizados, de uma mesa um pouco ao lado de tudo, carregando ainda o luto vitorioso de Eunice Paiva e transmite sua naturalidade como pessoa desenrolando com humildade aos assustados, curiosos um discurso de resgate e de um bom humor altivo à qualquer vaidade estrangeira, étnica ou de cunho político.
Sobre Yago Tadeu
Yago Tadeu Borges Scorsetti, 27 anos, nascido em Diadema-SP, formou-se em Pedagogia pela Universidade Virtual do Estado de São Paulo (UNIVESP) e é pós-graduado em Artes pela Faveni. Atua como professor de Educação Básica no Ensino Fundamental em Eldorado-SP.
Em 2024, foi premiado no 51º Troféu Arte em Movimento do Brasil, realizado no Teatro Clara Nunes. Anteriormente, atuou como redator e colunista no Jornal Diadema News e no ABC News.
Como escritor, Yago atua tanto na poesia quanto na prosa. Recebeu menção honrosa no Festival Icoziero (2011) em Icó-CE, no V Concurso de poesias “Professor Roberto Tonellotti” Franco da Rocha (2015), e no Concurso Internacional de Literatura da ALACIB em Mariana-MG. Sua trajetória inclui também o prêmio "Neófito da Ordem" da Academia Alquimia das Letras e a seleção para a antologia "Cartas do Pequeno Imperador" em 2015.
Entre suas obras publicadas estão Vagão dos Sonhos (2016), Minha Doce Patroa (2020) e O Garoto de Iporanga (2024), projeto contemplado pela Lei Paulo Gustavo em Iporanga-SP.
Em Eldorado-SP, Yago também foi contemplado pela Lei Paulo Gustavo em 2024 para o desenvolvimento das obras "Hikari no Sekai" (escrita em colaboração com Daiane Xavier) e "O Prisioneiro da Rádio Wenphil", com lançamento previsto para 2025.
Fez o relançamento de "Vagão dos sonhos" primeira edição e "Minha doce Patroa" no Festival Literário de Iguape de 2023 em Registro-SP. Em sua coletânea pessoal, ele conta com mais de cem poemas, incluindo o recente "A Estranha Língua das Flores".
Representante de Eldorado em Boas Práticas pedagógicas do Programa Alfabetiza Juntos, no Teatro Guarani em SP no último dia 5/11/2024, pela escola EMEB Sérgio Alaor de Oliveira da Diretora Sandra Correa Lameu e Coordenadora Isabel Cristina Mancio.